O COMÍCIO

O COMÍCIO

Antigamente, no interior de Minas Gerais, na época das eleições, os comícios eram “brabos”. Era raro um em que não liqüidavam com a vida de um indivíduo.

Como em tudo na vida, havia dois lados: “Corta-goela” e “Pica-pau”.

Dizem que o primeiro tem esse nome porque mataram um homem com uma facada na garganta. E o segundo porque os “cabras” mandavam o outro para o “céu” sempre com um tiro na nuca, lembrando a ave que bica madeira.

O povo vivia com medo e Eliza Maria, uma pré-adolescente que cresceu ouvindo os horrores que aconteciam nesses eventos políticos, também.

Numa época dessa, em Mutum, morreu o Sr. Carlos Alemão, antigo e querido morador da cidade. Seu corpo estava sendo velado em sua residência, que ficava próxima à praça onde mais tarde seria realizado um desses tais comícios acirrados.

Enquanto o velório transcorria na maior tranqüilidade, com o padre, muitas orações e cantos religiosos, lá fora, há poucos metros dali, estava a maior confusão, com a expectativa da chegada do candidato a prefeito no palanque.

As ruas estavam cheias de jagunços dos dois lados, armados até os dentes.

Eliza Maria, que morava em frente ao falecido e ao lado do “barril de pólvora”, estava morrendo de medo das possíveis balas perdidas que, daí a pouco, estariam zunindo para lá e para cá, pondo em risco a tantas vidas inocentes.

A menina chorava apavorada, pensando no momento em que teria de se deitar no chão com a família, como faziam os moradores da redondeza, para se abrigarem das balas, quase sempre envenenadas.

Vendo a filha nervosa, sua mãe lhe perguntou:

- Você ainda não se acostumou com os comícios daqui?

- Não vou me acostumar nunca.

Mamãe, e o seu Carlos? Eu gostava tanto dele!

- O velhinho está melhor do que nós. Vim do velório agora e vi como ele está em paz. Parece até que está dormindo. Mas, também, bom como ele era e com o coração do tamanho do mundo, já deve estar no céu há muito tempo!

- É mesmo?

- É, filha. Quando acabar esse maldito comício e pudermos sair sem nenhum perigo, vamos lá para você ver que não estou mentindo. Dá gosto vê-lo tão sereno dentro do caixão, coberto com cravos brancos e amarelos.

A garota ficou pensativa. Depois, olhou pela fresta da janela e viu o povo ouriçado, por causa do candidato que já estava subindo no palanque.

Preocupada com o que estava por acontecer, suspirou profundamente, olhou para o alto e disse:

- Ah, meu Deus! Eu queria tanto ser o seu Carlos!

Anna Célia Dias Curtinhas