LHE DEU FRIO NA BARRIGA...

Naquele inicio de noite, uma sensação estranha lhe envolveu. Queria andar mais rápido, mas as pernas estavam pesadas, automáticas, lentas e cadenciadas num ritimo de quem não quer chegar. Assim começava aquela noite. Já não lhe traz tanto ânimo como em outrora a lembrança ou a esperança de encontrá-la. O que teria acontecido? Deixara ela de ser especial? Não. O sexo já não era bom? Não. Ele crescera e percebera o mundo ao seu redor.

Drummond descreveu de forma belíssima o problema de nosso amigo. O poema Não, fala sobre as dimensões e os universos que existem em um ser. Existem pessoas que se contentam e esquecem dos outros universos, pensam que seu umbigo é a única coisa relevante no mundo, no universo. Ele cresceu, ela ainda chafurda na mesma lama, lama para a qual o tentara arrastar. Ela é a mesma, e isso é que é o problema, ele não pode suportar, ele cresceu e espera estar com uma mulher tão grande quanto, ou maior, aceita até uma em ascenção mas menor não.

Uma sensação lhe tomara, talvez a mesma sensação que Cassandra sentia ao ter uma de suas premonições, ninguém a acreditava, ninguém o acredita. Ele já pode prever o que vai acontecer, esse filme já passou outras vezes em outras telas quentes, em outras noites de Outono. A sorte é que serão alguns eventos que embalarão a noite, não só o encontro. Será uma daquelas noites estranhas, em que ninguém vai se falar muito, ela vai fumar, fumar muito. Ele vai beber, não muito, mas vai beber.

Iniciar-se-á o embate de forças, medirão, se testarão até que alguém desista. Mas se a condição deles é a de um casal, qual o motivo disso? Não existe razão, se veem como rivais, querem ver quem aguenta mais. Ele pensa que ela tem que provar algumas coisas ainda, ela acha absurda a idéia, não precisa provar nada. E a queda de braço está montada.

Ele quer paz, só paz, mas não a faz. Ela, sabe-se lá o que ela quer. Não se sabe a exata razão do motivo para que insistam nisso, existem várias opções, ele está numa ótima fase e pode se dar ao luxo de escolher qual vai chamar pra sair. Ele não o faz. Vai para o seu martírio, seu sofrimento arrastado. O que aplacaria a fúria e o faria se desarmar? Um abraço e um beijo. Um simples selinho que demostre que ela se importa com ele, isso bastaria. Não vai acontecer, ela se manterá distante, mas ele queria tanto um abraço...ele é um idiota. Ele busca maçã em uma pessegueira, nunca conseguirá, ou seu desejo muda, ou muda de árvore.

Analisa sua cartas, friamente, mas não com a frieza necessária, tem um belo jogo na mão, mas ainda não possui experiência para usá-lo da melhor forma. Ameaça puchar uma carta, seu coração palpita, espera mais um pouco, a rodada está acabando. Qual será seu descarte? Teme fazer o descarte errado, na realidade ele sabe quais as cartas ruins, mas é difícil se livrar delas... Os dedos estão frios, o raciocínio tenta se aguçar, aquela sensação de nervosismo o toma, e vem uma impressão parecida com dor de barriga.

Hoje ele não quer sair, mas vai. Hoje ele queria ir pra casa, tem uma coisa que lhe embrulha o estômago. Sempre que está com o coração apertado ele ora, pede a Deus proteção, para ele e a galera que vai estar com ele. Pede para que seja guardado de todo o mal, que nada o alcance, nem tiro, nem pedra e nem o namorado/marido de alguma menina que, por ventura ou desventura, ele tenha saído. Vai com o coração apertadinho...não quer ir, mas vai, o que a galera vai dizer? É um bicho do mato, não foi, não se divertiu com os amigos...A galera não vai aceitar, vai meu irmão.

Agora ele está decidido, ele vai. Vai fazer tudo diferente, hoje ele vai se divertir, vai beber com os amigos, vai namorar (seja com uma ou com outra), vai curtir e relaxar os músculos endurecidos pelo rude trabalho tecido durante a semana.Escove os dentes irmão, passe o desodorante, o perfume, guarde a mochila, desarme o espírito e pense que vai dar tudo certo,e, se não der, amanhã será um novo dia.

Símio
Enviado por Símio em 20/03/2009
Reeditado em 21/03/2009
Código do texto: T1497148