Perfeitamente desenhado

Perfeitamente desenhado. Cabelos macios, mãos fortes, dentes brancos. Como era belo! E eu ali, escondida atrás de um jeans largo... Olhando pela janela. Ouvindo pelo telefone. Cheirando pela calçada. Ele passava. E eu o via. Todas as vezes. Abria sua porta ao final da tarde já desabotoando a camisa bem passada. Então entrava. Acendia poucas luzes, mais a televisão. Eu pegava o telefone e discava. Simplesmente pelo prazer de ouvir sua voz rouca. E desligava. No dia seguinte, saía cedo. Perfeitamente desenhado. Era o momento mais pleno do meu pequeno dia de menina feia: quando ele sorria para a Dona Carminha, quando ele apertava a mão do dono da banca da esquina, quando ele arrumava o cabelo antes de tomar o ônibus. E eu o via. Bem ali, da janela com cortinas de minha casa. Minha casa esconderijo. Bem de onde ninguém me via. Até que escurecesse. Então sim saía para vê-lo mais de perto. Quando deixava sua casa para passear com o cachorro. Eu ficava atrás de uma árvore, esperando para sentir seu perfume. Depois eu voltava, pronta para ouvi-lo dizer "alô". E ia dormir. Satisfeita. Completa. Encantada. E era assim, no meu pequeno mundo medíocre. Perfeitamente desenhado.

Milena Verri
Enviado por Milena Verri em 03/05/2006
Código do texto: T149779