Historieta da 1ª República Portuguesa ( à minha maneira) - Parte XI

“Os messias ficam caros às nações”, como disse Raúl Rêgo. Sidónio Pais, depois do ataque que lhe custou a vida, foi apelidado pela Imprensa de “O Grande Morto”. O seu fim provocou uma onda de consternação nacional jamais vista. As filas para o ver no seu leito de morte, no salão azul do palácio de Belém em 23 de Dezembro de 1918 pareciam intermináveis. A cada dez passos caía uma pessoa (do sexo feminino) desmaiada no chão. Pareciam vítimas de raios electrizantes provenientes dos céus quais passarinhos fulminados pela comoção.
Sidónio armara-se em pacifista ganhando o voto do Povo que o legitimara como Presidente da República. Apoiara os que não queriam ir para a guerra contra a Alemanha. Agora iria iniciar-se uma outra guerra: a Guerra Civil.
O Conselho de Ministros reúne para escolher o novo Presidente da República que seria eleito pelo Parlamento segundo a Constituição de 1911. Parece que não mais se lembraram do sufrágio directo.
O Almirante Canto e Castro, Ministro da Guerra do Sidónio, era um monárquico assumido. No entanto aceita o cargo jurando defender com honra a República. Para espanto de muitos, que contavam com as suas simpatias para restaurar a monarquia, cumpriu a promessa.
O novo governo chefiado por Tamagnini Barbosa era formado por gente de todas as tendências políticas, desde o democrático ao sidonista, passando por ex-deputados monárquicos. Reflectia o que ia no país: uma grande salgalhada.
Estavam em confronto aberto três concepções distintas, duas republicanas com diferente expressão política (os da República Nova e da “Velha”), e outra adepta do regresso de D. Manuel ao trono.
Em Janeiro é proclamada a Monarquia no Norte. Paiva Couceiro estava nas suas sete quintas. Numa grande cerimónia militar, assumia as funções de regente em nome do Rei.
D. Manuel, no entanto, desmarcava-se da aventura manifestando o seu repúdio pela revolta e o seu apoio ao Governo Republicano. Estava ele tão bem instalado no Reino Unido, queriam agora que voltasse à balbúrdia lusitana. Livra!
Mas para os monárquicos do Porto isso era apenas um pormenor de somenos importância. Eles lá iam publicando o seu ”Diário da Junta Governativa do Reino de Portugal” prenhe de decretos, despachos, proclamações, editais e até publicidade. Uma das primeiras medidas de Paiva Couceiro foi o restabelecer da bandeira azul e branca. Há modas que ainda perduram...
Este alegre reino sem Rei nem roque ficou conhecido como a “Traulitânia”. Os monárquicos excitados usavam com extremoso zelo o cacete, o varapau ou o traulite e por isso eram chamados de Trauliteiros.
Para descrever o espírito daquele período deixo que vos fale Raúl Rêgo: “ Homens tratados a chicote, vergastados, insultados do pior que há, pontapeados, fazendo-os passar fome. (...) A linguagem é soez, e uma coronhada, um pontapé, um soco, uma vergastada de chicote nunca vai sem ser acompanhada de um palavrão. Havia sistemáticas sessões de pancadaria, acompanhadas ao piano para acompanhar e escarnecer dos gritos das vítimas.”
Ora assim se distinguem os brutos vulgares dos brutos de sangue azul: o refinado pendor musical!

A 21 de Janeiro as forças monárquicas tentam repetir a brincadeira do Norte em Lisboa.
O confronto entre monárquicos e republicanos ficou conhecida como a revolta de Monsanto.
E é Raul rêgo que nos conta: “A republica vai ser defendida. Há presos políticos que saiem das cadeias. O Zé Povinho pede armas. Organiza-se uma escola de instrução militar instantânea no Campo Pequeno, outra no Depósito de Adidos. Esta sobretudo para estudantes, aquela para quem quisesse. Lá está o André Brun. Pega-se na arma, estudam-se-lhe os fechos. Vê-se como se faz pontaria, como se dispara. É necessário disciplina e marcha-se em grupos; muitos vão de sandálias, nas calças e no casaco os remendos de pobre. Outros nem sandálias trazem; mas a planta dos pés já tem a sua camada de sola. Os estudantes vêm, alguns de capa e batina, mas poucos. A maioria é gente das escolas técnicas, muitos também de direito e medicina, da Politécnica, escolas comerciais e industriais. Alguns nem chegaram aos dezoito anos, mas estão ali. Foram aqueles meninos que os pais beijaram na tarde de 3 de Outubro de 1910, confiaram às mães, e desapareceram, com uma arma disfarçada, com o seu pequeno cesto que parecia uma lancheira e era de bombas. Foi há nove anos a República e é preciso defendê-la. Aqui estão os rapazes.”
Seriam os rapazes capazes de resgatar a República?




AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 21/03/2009
Reeditado em 27/03/2009
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