NA PRÓPRIA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Na “pátria de chuteiras”, como diria o saudoso Nelson Rodrigues, não gostar de futebol é quase uma heresia. Mesmo assim, confesso o meu pouco entusiasmo por este esporte que encanta a quase totalidade dos brasileiros. E acho incrível como determinadas pessoas lidam com o assunto, como se dele dependesse o destino deste castigado país. Gente que é incapaz de reconhecer um político “pilantra”, quando encontra um desses pela frente, mas que consegue recitar — de cor e salteado — todas as escalações da seleção brasileira nas últimas três décadas, discute regras e tabelas, questiona as decisões do técnico e tem opinião própria sobre a convocação dos jogadores e sobre o esquema tático.

Acho a maior “viagem”, quando numa fila de banco ou noutra qualquer, um desses sujeitos que passa a vida, humilde, a receber ordens e gritos do patrão, assume ares de autoridade, com uma autoconfiança inimaginável e afirma, do topo do seu saber futebolístico, que é preciso “abrir os pontas”, “dar mais ritmo ao meio de campo” e “reforçar a defesa”, que “o goleiro tem de sair mais” e outras declarações do gênero, que não tentarei repetir, porque sendo eu uma completa nulidade no assunto, não me arrisco a fazê-lo, sob pena de acabar escrevendo umas besteiras inomináveis.

É evidente que a mídia também explora — e muito bem — essa paixão nacional. Porque, afinal de contas, “business is business”. E nenhum empresário de boa cepa deixaria passar, ao largo, um “filão de ouro” desses. Tanto é que, mesmo em alguns jogos amistosos, de simples treino com seleções de outros países, totalmente inexpressivas no universo do “popular esporte bretão”, um grande número de emissoras de tevê transmite o evento. E não haverá de ser por mero patriotismo. E, sim, pela disputa da audiência.

Nunca assisto a essas transmissões ou, pelo menos, não assisto à transmissão completa de nenhum jogo, por culpa do meu próprio desinteresse. Mas me lembro que acompanhei o começo de uma dessas partidas, enquanto almoçava num restaurante e, já em casa, os últimos vinte ou trinta minutos do jogo. Caso queiramos chamar “aquilo” de jogo, naturalmente. E mais uma vez confirmei que é sempre melhor ouvir a narração dos locutores, do que assistir ao jogo propriamente dito. Porque a sua “narrativa”, em geral, é sempre mais favorável ao time da casa do que aquilo que está ocorrendo no gramado.

Galvão Bueno e Luciano do Valle são os melhores exemplos do que estou dizendo. Sem olhar para a telinha, a gente acha que está acontecendo uma coisa; olhando, a gente vê que é outra. “É a pressão dos brasileiros, mas a chance do gol não aparece...”, dizia um. “Prá cima deles, minha gente... Aí já perdeu o espaço!”, desolava-se o outro.

Sou mais o Silvio Luiz, que, com a sua habitual grossura, não se engana e nem ao telespectador. Pois descreveu assim uma jogada mal sucedida de um dos nossos mais festejados campeões do mundo: “Vai! Vai! Vai!... Vai perder uma bola assim no inferno, ô nêgo!”

A coisa foi tão ruim e a torcida dos locutores das nossas tevês foi tão descarada, que acabaram transformando um gol contra da seleção adversária num tento glorioso para um dos jogadores do escrete nacional. Ou, como quis o Ronaldinho, então chamado de “fenômeno”, que não mostrou um grande desempenho na partida: “Não interessa quem fez o gol. Quem marcou foi o grupo”.

Esta é ótima! Os nossos “torcedores de microfone” adoraram a ideia e lhe deram o maior destaque. Mas a rematada bobagem, dita com tanta altivez pelo craque, só me lembrou a de um técnico do Ministério da Educação, de quem ouvi há muitos anos, num desses simpósios promovidos pelo MEC, uma verdadeira “pérola” do besteirol: “Não existe ensino; o que existe é só a aprendizagem!”. Tratava-se, obviamente, de um desses “educadores de gabinete”, que nunca enfrentaram um “bate-bola” com uma sala cheia de alunos.

Mas, voltando ao tal jogo da seleção, fiquei pensando que, com concepções tão avançadas acerca da realidade, mesmo depois de afastar-se do futebol, o Ronaldinho não ficará desempregado. Se bater nas portas certas, talvez encontre bom espaço profissional, para produzir declarações desprovidas de bom senso, num desses ministérios. Ou, talvez, na própria presidência da República.