MALÍCIA

Por favor, pode me dar uma carona até o Seminário?

Meu ex-aluno queria ser padre. Bonitinho, magrinho, uma pérola de criatura.

Sim, levaremos você até lá. Diga a que horas sairemos daqui.

Não é hoje, será na próxima segunda, pela manhã. Pode ser?

Segunda pela manhã todos na estrada para o Seminário. Conversa vai, conversa vem, muitas perguntas, curiosidades e comentários de gente sem educação.

Você é tão bonito e quer ser solteiro, que perda para as garotas.

Vou me casar com a Igreja.

É uma noiva ingrata. Brincadeira.

O cenário dos lados da estrada foi ficando cada vez mais bonito naquela manhã de Primavera. E o meu aluno ganhava no rostinho branco as cores da natureza, as sombras dos galhos das árvores mais próximas.

Quando chegar perto, avise.

Certo, nem vejo a hora, tamanha a felicidade em que me encontro. É um sonho na minha vida.

A estrada seguia em curvas. Tudo calmo. A paz ia aumentando.

Pensei e perguntei: O Seminário está próximo?

Faltavam algumas subidas e descidas e mais algumas curvas naquelas paragens tão belas que julguei fossem o céu na terra.

Do lado esquerdo da pista avistei uma cena de obra de arte, uma estradinha de barro sinuosa descendo e se escondendo depois de uma curva. Umas cerquinhas, uma casitas, trepadeiras floradas que se lançavam da cerca para o telhado, passarinhos catando gravetos para fazer ninhos, uma mangueira frondosa com mangas perfeitas e convidativas.

É por ali, faça o retorno.

Ali é o Seminário? Pergunta de doido. Não era.

Seguimos pelas curvas da estradinha de barro. Está sentindo o aroma da manhã florida e cheia de borboletas e cantos?

Uma vivenda enorme, algo para cinema, surge à nossa frente, mais para coisa de sonhos. A descrição que farei será muito pobre e infiel.

Olha lá, que sonho. Veja lá dentro, lá entre as árvores, o meu Seminário.

O rapaz parecia querer voar de dentro do carro, mas ainda tínhamos um caminho cheio de flores até a entrada geral da instituição.

Muitos rapazes e muita alegria, contentamento. Que bom, você chegou! Abraços, apertos de mãos e alguém para nos conduzir pelos amplos espaços da casa. Encantadora. Cheia de alpendres com penduradores de redes, janelões escancarados para a paisagem e para a brisa, uma visita constante. Saletas, salas e salões. Aqui é isto, ali é aquilo, chegamos à copa do tamanho de um salão do Palácio de Versalhes. Eu não estive no Palácio de Versalhes, mas deve ser assim por lá. Uma mesa de banquete, tudo perfeito, limpo e organizado. Depois a cozinha, do mesmo jeito. Algumas mulheres cuidavam de panelas fumegantes e aromáticas. O apetite chegou antes da hora costumeira. Ficaríamos só no desejo, Seminário rima com horário.

Tudo que víamos era bom demais, festivo demais.

Vamos pegar sua bagagem.

Acompanhamos o seminarista pelos longos e saltitantes corredores. Havia um rapaz mais bonito que Jesus de Madona. Quase levo uma topada no calcanhar do meu aluno para olhar mais aquele doce de menino. Fiquei com pena pensando no prejuízo das meninas. Uma escassez danada do gênero e uma coisa linda daquela resolve ser padre. Ele notou o meu olhar admirado e cobiçoso. Na certa subiu a escada pedindo perdão para os meus pecados e para os dele também.

Chegamos à ala dos quartos. Deslumbrante. Cada aposento tinha quatro camas, escrivaninhas individuais, criados-mudos, armários de parede e um banheiro. Tudo cheiroso, limpo, bonito e em perfeita ordem, piso e paredes também. Os janelões davam para o bosque.

Os seminaristas eram a personificação da felicidade, abrindo malas e armários, organizando seus pertences, conversando uns com os outros. Um deles estava de short, era meio gordinho, cintura marcada, alguns trejeitos cuidadosos. Abria e fechava com as delicadas e longas mãos, as portas do armário de parede. Parecia querer ter certeza que era todo seu aquele móvel novinho em folha.

A malícia miserável fazendo ninho na minha cabeça e fiquei pensando: como seria uma noite de lua cheia naquele quarto.