Estou irritado com o Papa

O Papa esteve em Angola na semana passada. Por lá passou quatro dias. Milhões de pessoas se amontoaram para vê-lo e ouvi-lo dizer algumas palavras em português. Não sei ao certo quais palavras foram ditas, mas acredito que não erraria muito se arriscasse algo como “Viva o povo de Angola!”.
 
Viva o povo de Angola!
 
O saldo, aparentemente, foi bastante positivo. Não achei o resumo oficial da viagem. É possível que o Vaticano em breve o disponibilize. Certamente, pelo que foi dito quando de sua visita ao Brasil, a Igreja afirmará que a visita do pontífice ao país africano serviu para ‘estreitar ainda mais os laços do povo angolano com os preceitos católicos’.
 
Textos oficiais têm lá o seu encanto...
 
Mas na momentânea falta deles, curioso que fiquei com a multidão que seguiu Bento XVI em sua cruzada, servi-me do que está disponibilizado na internet. Li alguns relatos de jornalistas locais, brasileiros e portugueses. A melhor síntese, contudo, pareceu-me ser a da BBC. Aparentemente um pouco desinteressada no assunto e com o tradicional talento de resumir coberturas que não envolvam os grandes eventos mundiais. Exatamente como a viagem papal à áfrica. Um primor. Aspas.
 
Cerca de dois milhões de angolanos se reuniram neste domingo para a missa ao ar livre celebrada pelo papa Bento 16 em Cimangola, nos subúrbios de Luanda, um dia depois de um tumulto que matou duas pessoas. O papa expressou "tristeza profunda" pela morte das duas mulheres, pisoteadas quando a multidão tentava entrar em um estádio onde Bento 16 apareceria. Ele também desejou que os feridos no tumulto se recuperem rapidamente. A missa deste domingo foi o último grande evento do giro de sete dias do papa pela região. Enormes multidões se reuniram para ver o papa durante sua visita a Angola, onde 55% da população é católica. Corrupção. O papa falou contra os horrores da guerra civil que assolou o país após a independência, em 1975, dizendo que infelizmente esse é um problema em toda a África". Ele falou também sobre a importância da reconciliação e chamou os jovens para que encaminhem Angola para um futuro melhor. Após o discurso, o papa liderou rezas e cânticos, e mulheres em trajes típicos africanos levaram ao altar oferendas tradicionais como peixe seco, frutas e nozes. Segundo a correspondente da BBC em Luanda, Loiuse Redvers, a segurança foi reforçada para o evento deste domingo. O grande problema na missa, no entanto, foi o sol e o calor. Há relatos de que mais de 400 pessoas precisaram de atendimento médico por causa das altas temperaturas. Polêmica. No sábado, o papa fez um apelo para que os católicos angolanos encorajem as pessoas que "vivem com medo de espíritos" a se unirem à Igreja. Ele disse que os católicos devem falar aos que acreditam em bruxaria e espíritos. Grupos de defesa dos direitos humanos dizem que crianças sofrem abusos em Angola após serem acusadas de estarem possuídas por espíritos. No início da viagem, que também incluiu Camarões, Bento 16 atacou a corrupção que, segundo analistas, é muito comum na Angola, país rico em petróleo. Bento 16 causou ainda polêmica quando disse que o uso de preservativos pode agravar o problema da AIDS na África. A declaração foi feita no vôo que o levou ao continente.
 
Sintetizar o resumo do jornalismo da BBC (Será que a Senhora Loiuse Redvers sentiu muito calor em Luanda?) é tarefa ingrata. Mas deixem-me ao menos tentar:
 
O Papa lamentou profundamente as duas mortes ocasionadas pelo tumulto que culminou por propiciar o pisoteamente de duas mulheres que foram vê-lo; conclamou os jovens para que façam de Angola uma nação melhor; mulheres em trajes – imagino eu – tribais levaram frutas, nozes e peixe seco ao Papa, que deve ter tido alguma dificuldade em experimentar as iguarias devido ao enorme calor de Cimangola. (Essa ilação é minha); apelou aos católicos angolanos para que incentivem as pessoas que vivem com medo de espíritos a se unirem à Igreja; e, finalmente, atacou toda e qualquer tipo de corrupção, muito comum numa Angola rica em petróleo.
 
Mas o que mais me chamou a atenção – penso que a de todos – foi mesmo a questão do uso de preservativo. Afinal, o Papa estava na África, "Campeã mundial em caso de AIDS". Desta vez o resumo da BBC é ‘irresumível’. Ei-lo: “Bento 16 causou ainda polêmica quando disse que o uso de preservativos pode agravar o problema da AIDS na África. A declaração foi feita no vôo que o levou ao continente”.
 
Segundo a UNAIDS, o número de vítimas da AIDS na África já é quase igual ao da ‘Peste Negra’ na Europa medieval. Há uma bomba de efeito retardado plantada no coração do continente. A AIDS matará mais de 22 milhões de homens, mulheres e crianças no decorrer da próxima década. O número é 200 vezes maior do que o de todas as vítimas da bomba atômica que destruiu Hiroshima, em 1945. 200 vezes maior.
 
Não sei a razão pela qual o Papa fez tal declaração durante o Vôo. Isso talvez importe, mas não é urgente. Urgente é saber no que o Sacerdote se baseia para dizer que o uso de camisinha pode agravar o problema da doença. É mais do que urgente, é uma questão que deve ser analisada a fundo por toda a sociedade. Analisada, provocada, esclarecida, desmistificada.
 
Sim, porque se é direito exercer a fé como lhe parecer melhor - ainda que confrontando todas as evidências científicas - nao o é distorcer fatos concretos. Respeite-se o conceito religioso que assevera que cai no pecado perante Deus aquele que usa preservativo em relação sexual.
 
No entanto, dizer que a camisinha pode agravar o problema da AIDS não é crença, dogma, nem preceito. Não advém da fé, da religião. Afirmar isso é uma barbaridade. Talvez a melhor palavra da língua portuguesa que sirva para condensar em um só termo os conceitos de mentira, descaso e irresponsabilidade.
 
Estou irritado com o Papa. Essa não dá nem pra respeitar.
 
Queria dizer a ele que estou decepcionado. Mais que isso, envergonhado. Queria que as duas mulheres não tivessem morrido pisoteadas a metros de beber na fonte das suas santas palavras. Queria que o Sumo Pontífice não tivesse sentido tristeza profunda por isso. Queria tanta coisa...
 
Agora, porém, acima de tudo, eu só queria mesmo uma coisa: que pais e mães católicos angolanos, moçambicanos, congoleses, etíopes, brasileiros, que todos eles, ao perderem seus filhos para a barbárie que está sendo cometida em nome da relgião, lembrem-se apenas de uma coisa: perdoar. Perdoar. Perdoar incondicionalmente. O que não pode ser sinal de resignação, mas que é, sob todos os aspectos relacionados ao problema, sinônimo absoluto de fé.