Os óculos escuros

Que há de errado com aquela mulher que nunca tira os óculos escuros?

Será que tem medo da luz?

Ou apenas prefere a liberdade de olhar para onde quer que seja sem que os outros percebam?

Será que "está na moda?"

Ou será que não anda com olhos à mostra porquê acha cafona?

Certa vez ouvi dizer que ela usa estes óculos para esconder as olheiras.

Olheiras que ficam cada dia mais fundas, pretas.

Estas olheiras crescem e não importa o que ela faça, nada consegue fazer com que elas parem de crescer.

Esta mulher passa na rua todo dia, passos rápidos, olhos escondidos. Poucas vezes eu a vi esboçar um sorriso.

Dia desses, ouvi um choro. Bem baixinho, que era calado por soluços. Tentei buscar de onde vinha aquele pranto sofrido e silencioso. Era como se quem chorasse não quisesse ser visto chorando. De dentro do meu quarto, eu podia ouvir aquele choro de agonia, que jamais cessava!

Chamei, chamei. Não me ouviu. Até que peguei no sono e o choro, aparentemente, se calou.

No dia seguinte, a mulher apareceu com óculos ainda maiores. Pretos, lentes arredondadas, um lindo par. Daqueles bem caros. Parecia um tanto paradoxal, já que pensava-se que o ideal dela era fazer com que as pessoas não reparassem em seus olhos. Era quase impossível, tanto pelo tamanho quanto pela beleza da peça.

Na mesma noite, o choro parecia mais alto. Desta vez, podia ouvir alguns gritos, abafados por alguma coisa. Talvez um travesseiro. Outra vez, tentei buscar ajuda... Mas não conseguia descobrir de onde vinha. Era desesperador ouvir aquele pranto tão sofrido e não saber o que fazer para que ele se calasse!

Madrugada adentro foi-se o choro. E mais uma vez, adormeci, como se estivesse sendo acalentada por ele.

Pela manhã, deparei-me com o espelho. Estava eu, com olheiras que faltavam saltar do rosto, de tão enormes. Era como se tivessem vida própria. Olhos inchados, pretos, a visão dificultada.

A mulher do olhar que ninguém conhecia era eu. Era eu quem chorava. Era eu quem sofria.

E o que me resta?

Aquele lindo par de óculos escuros, bem ali, em cima da mesa de cabeceira.