VOCÊ ME DEIXA FAZER COM A SUA MÃE?

Durante alguns anos, logo no início da minha vida profissional, eu trabalhei sob as ordens e orientação do meu pai, numa instituição em que ele também trabalhava. A maioria dos filhos que passa por essa experiência, geralmente não se diz muito feliz com ela: parece que quando os pais se encontram neste nível com seus filhos, com muita frequência, confundem as relações pessoais e familiares com o relacionamento profissional. E, então, as duas coisas se tornam mais difíceis.

Eu mesmo não nego que, naquela época, reclamei muito disto; inclusive, por considerar que eu fosse tratado, às vezes, com um rigor exagerado, coisa que o meu pai — um homem de temperamento afável — não costumava fazer com nenhum dos demais subordinados. E quando eu reclamava, ele dizia:

— Eu exijo mais de você, justamente porque é o meu filho. Se eu transigir com os deslizes de algum outro subordinado, ninguém irá se incomodar. Mas todos se incomodarão se eu transigir com você. E não vou deixar que ninguém diga que tem privilégios aqui. Por mim, mas, principalmente, por você mesmo.

Confesso que o meu completo entendimento sobre isso, só veio mais tarde, a reboque do meu natural amadurecimento. Foi quando compreendi que meu pai estava pleno de razão e o significado daquela experiência para a minha vida. Mas não foi apenas quanto a esta questão que tirei algum proveito da convivência profissional com ele. Enquanto trabalhamos juntos, de vez em quando, a propósito de algum fato específico, ele me dava uma orientação, que viria a mostrar-se útil para mim, nos tempos que se seguiram. Certa vez, por exemplo, ele me disse:

— Quando você estiver ocupando um cargo qualquer, sempre mantenha distância de dois tipos de subordinado: os bajuladores e os fofoqueiros. Porque os bajuladores, não bajulam você, mas o cargo que ocupa no momento. Quando deixar o cargo, por vezes, deixarão até de cumprimentá-lo. E os fofoqueiros, do mesmo modo que lhe trazem informações dos outros, levam o que ouvem de você para os outros também. Por isto, nenhum dos dois é confiável.

O seu conselho estava certo e me foi útil muitas e muitas vezes. Esse tipo de gente é assim mesmo. E há casos em que os bajuladores, por exemplo, não se limitam a transferir a atitude de adulação de quem se retira para quem assume o cargo. Passam a falar mal do antecessor para quem o substituiu. Uma atitude gratuita de mau-caratismo explícito, porque, como gostava de dizer a minha sogra, “para agradar os Pereira, você não precisa maltratar os Oliveira”!

Mas, como para toda regra sempre há exceções, não se pode dizer que todo filho, trabalhando sob as ordens do pai, leve assim uma vida muito dura. Sobretudo, quando o negócio ou a empresa é da própria família. Há filhos que têm um cargo honorífico nos empreendimentos familiares, mas não passam e não passarão, jamais, de “filhos do patrão”. Todos conhecem alguns desses casos, mas eu conheço um, em particular, que considero muito divertido.

Numa cidade do interior do Rio Grande do Norte, havia um comerciante, que chegou a eleger-se prefeito da cidade — por dois períodos, se não me engano — que tinha, em seu estabelecimento, um auxiliar de muitos anos, o Tonico. Era, por assim dizer, o “braço direito” do empresário; este, um homem típico do interior nordestino, cheio de frases e tiradas, bom de copo e melhor de conversa. Por certo tempo, foi meu assistente um dos filhos dele.

Mas, em determinada época, o filho mais velho do homem ficou adolescente e o pai entendeu que seria a hora de enfronhá-lo nos negócios também. Estabeleceu um salário para o menino e o pôs para trabalhar no comércio. Só que o garoto não estava muito interessado nesse assunto de trabalho e de lá, só queria mesmo era o dinheiro que estava ganhando. Passava pelo comércio todo dia, embromava um pouco e, logo que o pai se ausentava por algum motivo, ele despencava atrás e deixava o Tonico sozinho, cuidando de tudo. O pai — é claro! — percebia a coisa, mas ia fazendo vista grossa.

Até que um dia, num final de tarde, o Tonico entrou no pequeno escritório do comerciante e disse que precisava conversar um assunto sério com ele. O patrão, que escrevia alguma coisa, olhou o seu homem de confiança por cima dos óculos, sentiu que não era coisa boa, mas falou do seu jeito de sempre:

— Fala, Tonico! Que bicho mordeu você?

E o empregado, entre ressentido e sem graça:

— Sabe o que é, chefe? Eu trabalho com o senhor desde que eu era quase um menino. Virei um homem trabalhando aqui, pegando no pesado e cuidando do seu comércio como se isso fosse meu... Quando o senhor viaja ou não está aqui, eu faço tudo que é preciso, prá que as coisas continuem a andar direito...

— Sei disso tudo, rapaz! Interrompeu o patrão. E o que é que tem?

— É que agora o senhor bota esse seu filho aqui, que não faz nada, fica tudo nas minhas costas, continuo a cuidar de tudo, enquanto ele não pára na loja... E ele ganha um salário que é quase o dobro do meu... O senhor acha que isso é justo?

O comerciante tirou os óculos, olhou bem para o Tonico e perguntou:

— Escute aqui, rapaz... Você me deixa fazer com a sua mãe o que eu faço com a mãe desse menino?

Tonico não respondeu. E foi esta a última vez que reclamou pelos privilégios que o filho do patrão estava tendo.