José, o cavalo, a jangada e a Rapunzel

Meu coração é uma maquina desregulada e que gosta de me avacalhar. Na verdade eu ainda não sei quem avacalha quem. Eu fiz o diabo pra ficar com uma pessoa, depois ela virou um saco e terminamos. Depois vi que gostava dela e em questão se semanas já estava de saco cheio novamente. Tempos depois voltamos, mas dessa vez era diferente, me julgava mais maduro e tal, mas não era. Ela enchia a paciência, tudo bem, é difícil achar uma mulher que não seja meio neurótica.

Nossa, terminamos pela última vez devido ao inferno que ela fez no dia do meu aniversário. Fiquei triste por alguns minutos e depois estava convencido de que aquilo ali seria bom, já estava na hora. O namoro tinha voltado para a monotonia e tal, estava meio complicada a coisa. Discutíamos, ela sempre achando que eu estava diferente e se eu não lambesse seus pés, eu estava diferente. Eu me dediquei dessa vez, fiz de tudo eu estava muito afim de que desse certo, mas nem tudo é como nós queremos.

Eu confesso que tive ciúme, ciúme pra burro. Ela é linda e estava mais linda e a tendência é ficar mais linda ainda. Vários caras cercando e eu sabia que iria chegar o momento, o momento que eu procurei e que agora tinha medo. Quando eu a conheci ela estava com a auto-estima baixa, eu fazia questão de tentar melhorá-la. Ela me achava a oitava maravilha do mundo, e eu sabia que isso acabaria quando eu lhe mostrasse o mundo. Lhe mostrei o mundo, e ela viu que exitia mais coisas. Por mais que eu tivesse medo, acho um absurdo prender alguém, não queria acorrentar aquela alma, queria que ela tivesse asas e se fosse pra ficar junto a mim, assim permaneceria, se não, voaria. Nunca desejei que fosse indefesa, sempre tentei alertá-la contra os perigos, ela era muito soberba pra aceitar o que eu dizia.

Hoje ela tem asas e com certeza está voando, eu não só abri a gaiola, mas a sacudi e expulsei o passarinho sem igual que eu tinha ali. Hoje eu gostaria da minha canarinha de volta. Eu sempre gostei da madrugada, mas mal sabia eu, ainda não tinha comparado as coisas. A madrugada que eu amava, tem gosto de cigarro, de amargura, mágoa, de castigo sem crime. A outra tinha na boca o gosto da madrugada, do sereno da madrugada e eu não percebi. Não percebi a de cabelos tão leves e lisos como a própria brisa, preferi o suicídio num copo de tequila, tentei tragar a vida de um gole só. Agora perdi o alvo da pele dela, já não atravesso o mar, já não atravesso nada.

Pouco tempo depois do término, ela tentou reatar, disse que gostava de mim e tal, mas eu estava certo da minha decisão, acahava que respirar outros ares me faria bem. Fui tão pra fora de minhas terras, respirei ares tão cáusticos que meus pulmões doeram. Nada tinha de bom além da fronteira, nada além de desertos, secas e perigos que me espreitavam a cada esquina. Eu resoluto em minha razão, deixei que partisse, ela falou sobre a máquina do tempo e eu a ignorei....

Agora amargo as sobras, o azedume do que plantei. A sede que não se sacia me fez beber em várias fontes, nenhuma me saciou. Bebi em fontes conhecidas, longínquas, próximas, fontes com dono e sem dono. Me arrisquei em todos os cantos, visitei velhas fortalezas de muros cheio de musgo, no fim encontrei abrigo com meus amigos e minha cachaça. Entorpeço-me e engano-me comprando, caro, ilusões que me vendem as moças nas ruas, vendo-lhes um bocado tembém. Pobres almas, a minha e as delas, todas se iludindo, as vezes fazendo escambo com os próprios corações. Me sacuda Rapunzel de terras distantes, inverta os papéis e me tire da torre.

Falta-me coragem para ligar pra ela, em pensar que tudo pode voltar a ser como era. Percebo que tenho que pegar meu cavalo e seguir a galope. Vários são os amigos dispostos a partir comigo, mas partir pra onde, tal e qual um José.... Um José que fugirá a galope mas que não sabe pra onde galopará, só sabe que não morrerá, é José. Não há mais o que me prenda nesta terra de sofrimento. Minha caravana tem que partir, a jangada precisa ir pro mar, o que me prende a esta terra é o medo. Vou veder o que tenho, dar o que alguém ainda quizer e queimar o que não presta. Enterrar as cinzas para que partícula nenhuma vá comigo, bater os sapatos fora do barco, deste lugar não hei de querer nem o pó. Vamos eu, minha lavra de ouro, meus bons amigos que são o que me restaram nesse mundo de meu Deus, José vai partir, arrume a casa José e parta.

Símio
Enviado por Símio em 25/03/2009
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