O ENCANTADOR DE SERPENTE (*)

No Conservatório de Música, o professor de saxofone era muito querido. Tocava que era uma beleza, tanto o sax alto, quanto o sax baixo. Embora, por alguma razão que só ele saberia explicar, gostava mais de tocar no baixo do que no alto.

Suas classes eram bem concorridas, principalmente pelas jovens adolescentes que, ao lado do compreensível gosto pela música de boa qualidade, também adoravam o estilo, assim, meio “zen”, do fascinante professor.

Além de tudo isto, o competente músico ainda desfrutava de um elevado conceito junto à Direção do Conservatório, por força de ser um dos seus mais fiéis colaboradores, capaz mesmo de expor-se — até ao ridículo, se necessário — em defesa das posições dos que administravam a instituição.

Mas havia alguma coisa estranha no proceder didático do saxofonista. Durante suas aulas, sobretudo para as classes de maioria feminina, costumava salivar além do normal, para quem executa um instrumento de sopro. O fato não passava despercebido para os colegas e nem para a Direção do Conservatório. E alguém chegou a sugerir, mesmo, que talvez fosse um defeito da “boquilha” que estava usando. Pois é verdade que já não se fazem mais “boquilhas” como antigamente.

Um dia, o professor chamou umas alunas depois da aula e lhes disse:

— Quero ensinar a vocês uma coisa especial... Um truque que eu conheço. Vão aprender como é que se encanta uma serpente, tocando o saxofone.

— Encantar serpente, professor?! Responderam as meninas, em coro e num tom de espanto.

— Perfeitamente! Trouxe aqui a minha serpente de uso pessoal e aí verão como isto é fácil de fazer. Digo qual é a música... Vocês vão tocando e ela vai levantando a cabeça.

— Que coisa incrível! - admiraram-se todas. Que fantástico é o “show da vida”!

Dito e feito! As garotas “mandaram ver” nos seus respectivos instrumentos, mas quando a serpente do professor começou a se erguer, era um pouco diferente do que haviam imaginado as moçoilas. Amedrontadas, pela cara de poucos amigos do réptil em questão, abandonaram, correndo, a sala de aula em que se deu o episódio. E foram queixar-se, assustadas, à Direção do Conservatório.

O incidente espalhou-se pela cidade e as famílias das estudantes pediram providências. No começo, os administradores da instituição musical tentaram amesquinhar a importância do problema. Consta que o Diretor Geral — ou alguém em seu nome — teria até sugerido para a mãe de uma das adolescentes que, se não estava satisfeita com a iniciação musical de sua filha, bem poderia transferi-la para outro estabelecimento.

Depois, pressionada pela opinião pública, a Diretoria acabou mandando instaurar uma sindicância para apurar as responsabilidades. Uma coisa assim, meio para “inglês ver”. No final de tudo, saiu a “dura punição” do encantador de serpente: sessenta dias de licença remunerada!

Os colegas se indignaram. Compreendiam que o professor de saxofone era uma pessoa em dificuldades, precisando, talvez, de uma assistência profissional. Porque, conforme se descobriu depois, não era a primeira vez que ele tentava ensinar esses “truques” após as aulas.

Mas não parecia nada razoável que a Direção do Conservatório — habitualmente tão rigorosa com os pequenos deslizes dos que não somavam entre os seus eleitores — quisesse fazer de conta que aquilo não tinha nenhum significado. Era uma falta de respeito com as alunas, com suas famílias e com a inteligência de todos.

Em casa, angustiada com o que pudesse ter ocorrido em toda a sua extensão, a mãe de uma das envolvidas no problema, inquiria a filha:

— Mas me diga, querida: ele chegou a mostrar o “órgão” para você?

— Sabe, mãe — esclareceu a garota — parecia mais uma “flauta”.

E nada mais disse, nem lhe foi perguntado...

(*) Parece que é brincadeira, mas, na verdade, não é!