O PLAYBOY

Naquela década era comum fazer sinal para pegar uma caroninha. Numa esquina da praia de Atalaia, eu, uma prima e mais uma amiga, acenávamos para os carros.

Do outro lado da calçada estava aquele que andava atiçando os sonhos de muitas moças nos passeios semanais pela Rua João Pessoa, onde o costume era paquerar. Muitos casamentos tiveram ali suas origens.

Pensei que ele estivesse olhando para minha prima ou para minha amiga. Ficou a teima: é pra você. Nada, pra você. Não, veja, está olhando para você.

Alto, peito largo como toda mulher aprecia e deseja para se aninhar, camisa esportiva, relógio dourado em alto estilo, usava óculos escuros e um carro esporte. Junte a isto muita pose, charme, olhar conquistador e um pouquinho de desprezo para temperar. Estacionava o carro na praça e vinha caminhando pelas calçadas das lojas e açoitando os ventos da imaginação das adolescentes e das mais taludinhas. Ficávamos logo um pouco cismadas umas com as outras. Na hora da competição a amizade ia para o beleléu.

Vinha que vinha. Ai, que bonitão. Um pelotão de garotas para um só rapaz. E ele com aquela cara metida de playboy rico de Mônaco. Já nos víamos no carrinho esporte vermelho pelas ruas da capital provinciana, desfilando a vitória da conquista.

Ele mesmo. Justo ele, um monumento, estava mesmo era me escolhendo na esquina da praia. Chegou dizendo bom dia com sotaque carioca e foi perguntando qual era meu programa aos domingos. Não gostei da palavra programa, normal na terra dele e malvista na minha. Mas, valia tudo, o troféu estava ali na minha frente e eu só pensava em me exibir para as colegas, amigas, enfim todas. Respondi:

_Venho à praia.

_ Depoooooooooooiiiiiiiiiiiiiiiisssssssssssss?

_ Para a primeira sessão do Cine Palace.

_ Depooooooooiiiiiiiiisssssss?

_ Para a missa das sete na Catedral.

_ Depooooooooooooooooiiiiiiiiiiiiiiiiiisssssssss?

_ Para o chá dançante no Iate Clube.

_ Ah, então quer dizer que, pela manhã, você come ostra e pela noite come ÓSTRA.

Aquela pronúncia da palavra hóstia entrou nos meus ouvidos pior que cerveja quadrada. A minha mãe caprichava na língua portuguesa e não admitia patadas, fossem gráficas ou ortográficas. E eu já ia pelo mesmo caminho, gostando de ler e de escrever. De qualquer maneira, agora queria prosseguir, tentar. O rapaz já havia perdido preciosos pontos.

_ Onde você mora?

_Estou hospedado em um hotel.

_ Onde fica? _Perguntei na esperança de que fosse no Hotel Palace, na época o melhor da cidade.

_ Fica na Rua Apulcro Mota.

Você já viu todas as estrelas do céu piscando na sua frente? Foi nesse momento que vi e eram enormes, risonhas, zombeteiras. Eu vi, não só todas as estrelas como os buracos negros, ainda nossos desconhecidos à época. Vi a rua e o hotel, mas empurrei a visão, sabotei a mente. Inventei algumas conversas até despistar e ficar livre dele.

Na segunda feira, depois da noite indormida, vesti o que achei de melhor e caminhei em direção ao centro comercial. Caminhava vagarosamente, contando os tijolos, querendo ir e querendo voltar para não ver o que eu já sabia.

A rua foi se aproximando e eu sem querer aceitar a realidade, voltei umas duas calçadas. Resolvi avançar. Lá estava a placa com o nome: RUA APULCRO MOTA. Faltava o hotel. Não, meu Deus, ali deveria haver um hotel decente, só que eu ainda não havia percebido.

O hotel era o mesmo da visão. Ficava em um sobrado, no andar de cima, bem parecido com as antigas casas de prostituição. Olhei a pequena placa: HOTEL BRASIL, em letras azuis desbotadas pelo tempo e pelas estações do ano. As janelas velhas, abertas com as bandas para a rua, toalhas de banho ensopadas e encardidas penduradas ao sol se sacudiam tangidas pela brisa do mercado central. Sobre as toalhas, para fixá-las ao parapeito das janelinhas, moringas de barro.