O supermercado de Deus

Rimos bastante quando uma amiga me contou de um culto, em Nova York, em que o pastor, contundente e agressivamente incitava a platéia (é, era chamado de culto, mas era show, como muitos que se vê por aí, por isso “platéia” e não “fiéis” ou o que quer que você ache mais correto): “Você precisa dizer a Deus o que você quer, mas não adianta dizer que quer um carro, precisa dizer a marca do carro, a cor dele, se não Deus não entende”. Ficou como mais um folclore dos muitos que a terra do Tio Sam nos oferece, além do Bush, é claro.

Numa cerimônia, há algumas semanas, o pastor, fundamentalista, não é preciso dizer, contou história que lera num livro de autora americana (de novo!), narrando que uma mulher, já passada dos 30, queixa-se ao pastor que todas amigas já casaram, só ela não. Solução do ministro: “Peça a Deus que ele arruma, mas você deve dizer que namorado você quer. Por exemplo: alto, bonito, inteligente, pois aí o Senhor saberá o que você quer e providenciará”. A moça, modesta e desesperada, pediu apenas que ele tocasse na banda da igreja. Não é que duas semanas depois apareceu uma banda de fora, um músico olhou para ela e três meses depois estavam casados?

Passado o susto, conto a história a uma pessoa que eu achava esclarecida e ela se ofende com minha forma de contá-la e, contundentemente, me diz que é exatamente assim que se deve pedir: “Um apartamento de três quartos etc. etc. etc.” Aí Deus entende e atende.

Seria apenas cômico ver a fé sendo manipulada dessa forma, deturpando e transformando em materialismo puro o ensinamento de Jesus, que está em Marcos e em João, mas é mais do que isso: é um perigo. Perigo porque é fanatismo, perigo porque é uma visão simplista da fé, perigo porque nega um dos grandes princípios do cristianismo, que é a onisciência de Deus, perigo, enfim, porque é uma concepção puritana e egoísta das coisas, a mesma concepção que está no gene da crise econômica mundial, mas isso é para outro papo.

Quando se deseja algo e se persegue isso, como a moça que passou a só olhar para homens que tocavam em bandas da igreja, a possibilidade de dar certo, obviamente, é bem maior e existem bibliotecas inteiras explicando o fenômeno; para quem tem fé, nada de errado em acreditar no empurrão divino, mas transformar Deus em dono de um supermercado com prateleiras atulhadas de desejos humanos “plug and play”, tenha dó, ou, talvez, tenha fé!