UMA MULHER MUITO ESPECIAL

Tive uma amiga, faz muito e muito tempo, que foi uma das mulheres mais inteligentes, cultas e refinadas de espírito com quem eu convivi, ao longo da minha vida. Era mais velha do que eu alguns anos. Não muitos, mas o suficiente para nos colocar em patamares diferentes, naquela época em que convivemos com mais frequência: eu era ainda um adolescente e ela, uma mulher, a caminho de concluir a universidade.

Gostávamos de conversar, nos finais de tarde, sempre que isto era possível para nós dois, sentados na varanda da casa dela ou da minha, já que éramos quase vizinhos. E foi guiado pelas mãos desta amiga que aprendi a caminhar e conheci as melhores trilhas da leitura. Porque embora eu já possuísse esse hábito — estimulado pelos meus pais — foi com ela que aprendi a selecionar e a disciplinar o hábito de ler. Durante essas tardes inesquecíveis, tanto ela me falava de livros e autores, sugerindo, indicando ou, por vezes, simplesmente, despertando a minha vontade de ir em busca de um deles, como sobre outras coisas da vida, que embora ainda jovem, ela conhecia bem melhor do que eu.

Além de tudo, era uma mulher bonita. Não de uma beleza esfuziante, dessas de parar o trânsito, mas daquelas sobre a qual nenhum homem passeia o olhar com desatenção. Uma morena, de tipo “mignon”, com pernas bem torneadas, cabelos e olhos castanhos... E tudo nela era proporcional. Talvez por isto, também, eu aguardasse pelas suas “aulas de literatura” com tanta ansiedade, sublimando as minhas fantasias de adolescente.

Mas como disse, não era só de literatura que ela me falava. Contava outras histórias para mim e, talvez, por considerar-me um interlocutor atento e interessado, falava-me das suas próprias expectativas de vida e profissão. E, de quando em quando, fazia-me confidente de seus sonhos ou desilusões. Aquilo me deixava atônito, entre envaidecido e desalentado, por não saber o que dizer ou como reagir, quando partilhava esses segredos comigo.

Às vezes, ela me contava umas coisas engraçadas, histórias da faculdade, de sua turma e de seus professores. E estou certo de que aquilo ajudou a acender em mim a chama de uma escolha profissional, que acabei fazendo, uns anos depois. Noutras, ela me falava de alguns fatos da sua experiência cotidiana, como uma pequena história de generosidade que me contou e que eu nunca mais haverei de esquecer.

Durante alguns anos ela residira no Rio de Janeiro, numa época em que as coisas eram melhores, os problemas de segurança menores e a cidade, de fato, ainda maravilhosa. Nessa época, início de curso, tomava um ônibus para ir à faculdade, onde cumpria determinada disciplina, em horário de trânsito mais calmo. E num dia, ao fazer esse percurso, sentou-se ao seu lado um senhor, já bem idoso, um tipo meio frágil, jeito de aposentado, desses que consumiam as tardes, ajudando a passar o tempo que lhe restava, em alguma praça ou parque da cidade.

Neste dia, ela usava uma saia um pouco mais curta, como era a moda de então e que, sentada, como estava, deixara à mostra um bom palmo de suas coxas morenas. Depois de algum tempo, percebeu que o velhinho olhava para elas, de uma forma fixa, como que encantado, parecendo que ninguém — nem ela mesma — o poderia ver fazendo aquilo. Intimamente, ela achou aquela situação engraçada e para evitar um constrangimento, virou o rosto em direção à janela, como se não estivesse notando.

Mas algum tempo depois, percebeu uma mão tocando em sua coxa. Olhou e se deu conta de que era aquele idoso, que, muito sério, o rosto virado para a frente, havia repousado nela uma de suas mãos. A primeira reação dela, segundo me disse, foi pedir a ele que não fizesse aquilo ou então levantar-se e mudar de assento. Mas, logo em seguida, foi tomada por um pensamento, olhando aquele homem tão idoso e tão frágil:

— Quando, até o fim de seus dias, um homem como esse conseguirá sentir o toque na perna de uma mulher jovem, outra vez? Que risco corro eu e o que me custa deixa-lo sentir um prazer desses, quem sabe, pela última vez?

E assim deixou-o ficar, até que, pouco tempo depois, chegou o seu ponto de descer e ele se foi. Sem olhar para trás e sem lhe dizer uma única palavra. Mas naquela tarde em que ela me contou isto, eu fiquei encantado e elegi esta história, para mim, como um exemplo de suprema generosidade.

Não sei quanto tempo, depois disto, aquele velhinho se foi. Mas sei que, alguns anos após aquela narrativa, já casada e morando no Rio de Janeiro outra vez, foi ela quem partiu. E quando eu me lembro dessas coisas, sinto uma espécie de vazio em meu coração. Porque ela era, mesmo, uma mulher muito especial...