dom joca

Dom Joca

Em plena quinta-feira pela manhã, comecei a passar mal. No momento do banho, debaixo do chuveiro, com crises de tontura as quais já estavam se tornando uma constante em minha vida. Depois, um pouco melhor desse estado em que me encontrava, deitei-me na cama. Precisava me recuperar um pouco mais, pois iria sair de casa para almoçar e depois haveria compromissos na parte da tarde já assumidos, Tentei comer alguma coisa, mas foi difícil eu não conseguia ingerir alimentos.

Mesmo com o mal estar, me dirigi a uma clínica. Procurei uma outra opinião médica sobre o que poderia estar acontecendo comigo. Pelas informações, que já havia colhido de antemão, eu sabia que lá, naquele dia, teria um profissional especializado em neurologia. Precisava de um parecer sobre essas crises, que estavam ocorrendo sem motivo aparente além do que os resultados de todos os exames feitos até então, não apresentavam nenhuma anormalidade. Nesse intervalo de tempo, o mal-estar que se passava comigo já era quase mínimo só existia um pouco de tontura, o que não foi empecilho para andar. Meu cunhado viu meu estado e se ofereceu para me deixar na casa do meu pai, que era próxima ao consultório médico. Aceitei a oferta dele porque ainda não estava me sentindo 100%.

Chegando na casa do meu progenitor ele fez questão de me acompanhar ao consultório médico, mas só me deixaria lá porque teria de sair com minha irmã para um compromisso e deixou ao meu dispor seu celular para o caso de outra necessidade.

No interior da clínica, dirigi-me à primeira recepcionista que encontrei e expliquei-lhe que no dia anterior havia ligado. Apesar de saber que o médico somente atenderia no período da tarde e apesar de não ter agendado uma consulta, resolvi arriscar-me já que eu não estava sentindo bem. A educada jovem, de quem não me recordo o nome, ouviu-me atentamente e me pediu para falar com a secretária do médico. A secretaria me atendeu prontamente e pediu a carteira para acreditar no processo da consulta. Senti um alívio muito grande com isso e fiquei mais tranqüilo. Então, para meu maior conforto, orientou-me para deitar no sofá no andar de cima, pois podia ver na minha feição o mal estar que eu estava sentindo. Eu tinha a aparência de um doente necessitando do amparo médico.

Permaneci deitado naquele sofá recuperando minhas forças, esperando para ser atendido. Após uma hora e meia, a secretária pede para todos que aguardavam o médico para descer, porque o clínico já iria atender a todos. Depois de atender dois pacientes, que estavam na minha frente, calculei eu que seria o próximo a ser atendido, mas que nada, a jovem mocinha veio trazendo minha carteira da Unimed e dizendo que o clínico não poderia me atender, e que eu deveria marcar um horário para ser atendido num outro dia. Aquilo foi um banho de água fria, pois fiquei aguardando tanto tempo na expectativa de ser atendido. Fiquei chateado. Por que me deixaram esperando já que não haveria possibilidade de ser atendido? Senti-me desprezado, pois estava ancorando ali a minha tábua de salvação.

Diante dessa decepção, fui para a casa de minha irmã já que havia lhe pedido para arrumar algumas fotos de viagens que realizara comigo. As fotos dariam maior brilho ao livro que eu estava acabando de escrever. Essas fotografias são dos lugares por onde estive, cujas lembranças assolam minha mente como se nos diferentes ângulos das fotos os lugares ganhassem expressões novas, reportando-me a momentos vividos com tanta intensidade.

Escolhida várias fotos ficaram faltando as de São Francisco. Minha irmã ficou de me arrumar depois, pois teria de procurá-las e naquele dia estava sem tempo para fazer isso. Estas fotos fazem parte de mais duas histórias escritas para o livro.

A sexta-feira foi um dia tranqüilo, sem mal-estar e sem tonturas, dei graças a Deus por estar melhor. Então, combinei como o Rafael, o meu jovem editor de ilustração, que iria na sua casa ao sábado pela manhã para traçarmos linhas de ação facilitando assim o nosso trabalho. Aproveitei também para dizer-lhe que levaria várias outras fotos que estavam em meu poder para serem selecionadas e escaneadas, pois eu precisaria entregá-las aos seus donos.

Sábado, Rafael, o editor de arte do meu livro, analisou as fotos, que levei e sugeriu que trocássemos algumas. Conforme seu parecer algumas não dariam um efeito no visual do texto redigido. Concordei com ele, por saber que usava mais a razão do que a emoção e era sempre muito equilibrado. As horas se passaram. A sua mãe nos avisou que naquele dia não haveria almoço, pois tinha dispensado a empregada. Em comum acordo resolvemos fazer a refeição no restaurante do Binha, meu outro cunhado. A vantagem é que o restaurante era perto da minha casa.

Aproveitando este pequeno almoço familiar informal, troquei várias idéias com meu cunhado Scot. Ele me disse que iria para Dom Joaquim, na parte da tarde e se eu quisesse poderia ir com ele. Ponderei, se a partida não poderia ser pela manhã de domingo, pois meu sogro me pediu para representá-lo no casamento de uma filha de um casal amigo, aqui em Belo Horizonte. Scot não viu problemas porque ficaria lá até quinta-feira. Seria muito bom para descansar um pouco naquela terrinha acolhedora que há muito tempo me adotou como filho e também para verificar se era estresse a causa do que eu estava sentido.

A saída para Dom Joaquim seria por volta das seis horas da manhã, coisa que não acreditei muito, por conhecer as circunstâncias e quem iria a viagem, mas deixei rolar o que foi tratado por Scot.

Cheguei do casamento no sábado por volta das vinte e duas horas e fui para internet ver se tinha algum recado em minhas caixas do correio eletrônico. Lá estava uma das minhas fiéis amiga e colaboradora de Santa Catarina, a doce Nalu uma das pessoas responsáveis por este livro ser escrito, pela força que me deu para voltar a escrever. Aprendo com ela muita coisa, como se devem colocar determinadas situações em uma história, para que não se queime um personagem além de vários outros enfoques. Aproveitei a oportunidade passei para ela um texto que tinha acabado de escrever com o nome de Marias. Ele conta a história das mulheres que vivem soltas pelo mundo e que o mundo não vive sem elas. Nesse pequeno intervalo de tempo de nossa conversa ela fez uma rápida leitura do texto e comentou que aquilo acontece no mundo de hoje, em todos os lugares, em todas classes sociais, mas que a maioria das pessoas preferem calar-se a enfrentar essas situações, pois teriam de se envolver. E hoje se vivem problemas individuais e ignoraram os coletivos.

Como era de costume acordei cedo, por causa da viagem, fiz todos os meus afazeres e às seis horas estava já no portão esperando meu cunhado que geralmente é pontual. Nesse intervalo da espera busquei meu cão e fui caminhar perto de casa mesmo esperando a galera que estava para chegar.

Seria uma viagem de umas três horas e meia de duração, pois passaríamos por Itabira aumentando um pouco a quilometragem, mas o asfalto estava nas melhores condições. Sete horas Scot apareceu, tranqüilamente como era de seu costume e comentou que o Zé Pedreiro deveria estar chegando, pois tinha sido combinado isso pelos dois. Por volta das oito horas o Zé chega pedindo desculpa pelo atraso ocorrido comentando que havia acontecido uma batida entre dois ônibus dificultando o trânsito em toda região. A nossa viagem se deu por volta de três horas. O trânsito neste dia estava mais livre e com poucas carretas na estrada.

A cidade de Dom Joaquim estava animada. Haveria naquele dia um leilão de bezerros de raça doados por alguns fazendeiros da região para ajudar na manutenção do hospital que é mantido pela Prefeitura de Dom Joaquim e pela comunidade da região. Os pacientes assistidos pela instituição de Saúde são muito bem atendidos e quando necessitam de atendimento especializado são transportados para outro hospital numa cidade próxima. O translado dos pacientes é feito pelas ambulâncias do hospital que ficam por conta do mesmo. Fui até lá para medir minha pressão arterial, pois achei que estava oscilando demais.

Ainda meio sonolento pelas poucas horas dormidas naquela noite por causa do casamento, mas com o passar do tempo fui ficando mais lúcido dos meus atos. Depois do almoço eu e o Zé fomos fazer uma caminhada pela cidade. Há muito tempo não a enxergava tão cheia e com tantos sorrisos estampados no rosto de todos. Nós fomos presenteados com toda aquela alegria ali, ao vivo, curtindo todos os detalhes da festa e as atrapalhadas de alguns personagens da mesma como o Pingüim - dono do restaurante da barragem. O meu amigo Zé lhe pediu uma lata de cerveja que num piscar de olhos e dando-lhe o troco. Isso não teria nada demais se meu amigo tivesse pago a cerveja, coisa que ele não tinha feito ainda. Naquela hora isso era até compreensível por causa do movimento louco no restaurante.

Depois, andando pelo meio da rua, já que a calçada estava intransitável, um casal mais de idade me cumprimentou pelo meu nome. Aí, estava o meu primeiro aperto, pois sabia que os conhecia, mas pelo tempo que não vinha à cidade não consegui lembrar o nome do simpático casal. Porém, independentemente disso a prosa correu solta e falávamos sobre tudo tendo Dom Joaquim como tema. Conversamos por um longo tempo porque eu adoro aquela terra e foram expostas idéias de melhoramentos para o lugar. Esses pensamentos estavam bem vivos em nossa cabeça; víamos possibilidade de serem executados, pois seriam obras pequenas e com o decorrer do tempo dariam infra-estrutura para uma cidade de maior porte. Depois de algum tempo de prosa com o casal, eles aceitavam plenamente toda a estratégia que eu propunha para o lugar.

Para aproveitar toda a festa, que prometia muito, deixamos para esticar nossos planos em outro momento. O meu pensamento estava no rodeio que iria começar e fui até lá mais perto para sentir a qualidade do gado que iria ser leiloado, pois gosto de me inteirar com tudo. Percebi que tinha uns de boa qualidade e outros mais fracos, mas me calei para não ter participação negativa na festa, além do que estava tudo muito bonito e ainda eu estava com o Zé, que por ser de Goiás, terra da agropecuária, é um profundo conhecedor de animais.

Subitamente o suor começou a escorrer pelo meu rosto seguido de uma dor de barriga daquelas bravas. O Zé morria de rir do meu sufoco. Parei primeiro no bar do turco para saber se ele teria instalação sanitária para eu usar, mas ele não tinha. Nisso o suor escorria com mais facilidade pelo meu rosto e quando entrei na praça, avistei a casa do meu sogro que estava com a porta da sala aberta, coisa comum no interior. Num galope rasante cheguei lá não cumprimentando ninguém que estava na sala indo direto ao banheiro. Foi a conta de baixar as calças que saiu tudo de uma única vez, só nesta daí devo ter emagrecido uns dois quilos.

Depois desse sufoco voltamos para rua para aproveitarmos mais da festa. Foi quando aconteceu uma situação chata e na hora ficamos inertes com ela. Chegando ao leilão dos animais vejo o grande Leandro de fogo, ele é alcoólatra. Ele se choca com uma criança que devia ter uns 9 anos, e o pirralho foi fazer intriga com a mãe dizendo que o Leandro lhe havia batido. Conheço-o a mais de 15 anos, sabia que era mentira, mas duas senhoras o pegaram de jeito, como ele estava muito bêbado bateram demais nele. Ficamos com dó. Pena que chegamos depois de ter começado toda a confusão, pois se tivéssemos visto antes não teríamos deixado isso acontecer. Sugerimos ao Leandro que fizesse um exame de corpo e delito nele e na criança, para saber a real história e depois dependendo do resultado fizesse uma queixa contra a mãe e a tia do menino.

Com o passar do tempo, resolvemos cumprimentar alguns amigos que trabalhavam nas barracas de guloseimas e bebidas que estavam sendo vendidas na festa. Então resolvemos passear pelo outro lado da cidade, quando uma cena muito peculiar nos chamou atenção. Tanto eu como o Zé somos muito observadores. Vimos um carro parar e dentro dele estava um senhor, de dinheiro da cidade, pedindo para uma ninfeta que subia a rua um pouco daquele delicioso sorvete que estava tomando. Era um sorvete do tipo napolitano. O Zé comentou que não eram parentes e pelo tipo de conversa da jovem, com o senhor, que tinha idade para ser avô dela. Parecia mais uma conversa de homem e mulher se querendo. Então ela deu a volta no carro e entrou no veículo. Depois disso não tivemos mais noticia do casal.

O leiloeiro oficial da cidade é o Pedrinho meu cunhado e ele tem uma forma ímpar de fazer isso. Ele conseguia fazer de um simples bezerro, uma jóia, todos ficavam encantados com a descrição e com isso o animal tinha o seu valor muitas vezes multiplicado. Esta particularidade deveria ser uma coisa que é passada de pai para filho, pois Seu Paulo também é sem igual para esse tipo de situação e o jovem Flávio de 16 anos também é um profundo conhecedor de animais. Mora numa fazenda com gados e cavalos e discute com qualquer um a respeito do assunto. Ele não larga do avô para nada, aprendendo sempre com ele chegando, às vezes a conhecer mais do que o avô, pois ele observa todo o animal. Seu Paulo fica muito feliz com isso porque já tem na família um que realmente será o seu sucessor.

Zé e eu queríamos voltar ao leilão que já iria começar, pois todos que estavam lá pagavam bons preços pelos animais, pela suas origens e para ajudar o hospital também no entanto resolvi dormir mais cedo. Despedi-me do Zé e voltei para casa, já ele ficou recordando tudo que já tinha visto em sua cidade natal. Preferi tomar um banho relaxante, pois a maratona daquele primeiro dia fora intensa e fiquei pensando se sairia à noite ou não. Na hora em que fui escolher a roupa para colocar depois do banho, reparei que não tinha colocado na mala as calças. Por um momento fiquei apertado, mas lembrei que meu cunhado que mora em São Paulo, teria roupa guardada e fui atrás dessas peças, pois o manequim já sabia de antemão que seria igual ao meu. Experimentando umas das calças, percebi que haveria de descer a bainha no comprimento. Então solicitei a D. Ilda para fazer isso para mim, pois sabia costurar muito bem. Ela disse que faria sem problema algum e me indagou qual das calças tinha escolhido. Indiquei a preta, pois esta cor assenta com qualquer camisa. Em pouco tempo a minha calça já estava pronta para ser usada e ela ainda fez o favor de dar uma passada nela, pois estava pendurada no armário há quase um mês e tinha um friso na altura do joelho onde a calça se dobra no cabide.

Nesse intervalo, enquanto D. Ilda arrumava a roupa para que eu pudesse sair à noite, adormeci com facilidade. O sono foi muito pesado, mas sem pesadelos. Só acordei no outro dia bem cedo, entretanto não saí como tinha planejado. D. Ilda começava o ritual de fazer novo café da manhã e ficamos ali mesmo, trocando idéias sobre coisas daqui e de tudo que já havia acontecido lá em Dom Joca. Nessa hora não sabia se iria para a fazenda do Scot, pois ele iria levar trabalhadores para lá e não poderia me levar na caminhonete.

D. Ilda gosta muito de mim e eu dela, tudo o que peço para ela fazer ela diz que sim, jamais ouvi não da boca da D. Ilda. Resolvi ficar esperando um pouco, mas fui à loja do Pedrinho para comprar um zíper. Enquanto estive na loja o Dan telefonou para sua mãe passar as calças dele para mim. Ele teve de emagrecer bastante depois de ter ido ao médico que lhe passou um regime bravo, fazendo com que todas as suas roupas que estavam em Dom Joca não o lhe servissem mais. Quando a D.Ilda me disse sobre isso fiquei preocupado com o Dan, pelo seu estado de saúde, mas ela comentou que já estava bem só que tinha emagrecido bastante com este regime por isso me ofereceu as calças caso eu quisesse. Eu já tinha visto as calças e eram tão novas que tinham ainda etiquetas das lojas onde foram compradas, não me exitei e peguei cinco calças.

Voltei à loja do Pedrinho e comprei uma blusa de meia estação de manga comprida, pois só havia levado jaqueta de couro e o frio de lá estava mais ameno.

Já na casa da D. Ilda, escutei o toque da campainha. Como a dona da casa estava ocupada com outros afazeres lá no quintal, atrás da casa, fui até a porta e era a jovem Fernanda que ajudava a D. Ilda nos trabalhos da casa. Ela era uma jovem com uma alegria contagiante além de um lindo sorriso nos lábios. Ao me ver, desejou-me um bom dia, mas a sua face nesse dia não se mostrava como de costume. Fiquei pensando o que poderia estar acontecendo?

Ela gostava muito de conversar comigo. Não agüentou o silêncio e começou a sua história sobre o seu amor que estava ausente há um bom tempo e a saudade mexia com a cabeça da jovem de 18 anos. Nesta idade tudo é sonho, o sonho de uma vida melhor com quem realmente se gosta.

O dia correu tranqüilo sem maiores surpresas, pois aqui, a cada momento acontece uma coisa diferente. E podem ter certeza disso.

Nessa noite fui a casa do meu sobrinho conversar com o pai dele para saber se ele teria guardado as fotos tiradas na casa do meu pai a cerca de 11 anos atrás na praia, pois preciso destas fotos para inseri-las no meu livro. Então me disse que as procuraria para mim.

Voltando da casa do Paulo vi, na pracinha em frente ao Sórrita, três pessoas judiando de um cavalo amarrado num poste. O animal, sem nenhuma defesa estava sendo chicoteado violentamente sem motivo nenhum. Eu sofria ao ver aquilo. As três pessoas que faziam tal maldade não eram de Dom Joça, mas sim de Senhora do Porto, uma outra cidade próxima daqui.

Na manhã seguinte, resolvi ficar em casa restabelecendo-me de alguma coisa que poderia ter comido e que tinha feito-me um pouco mal. Fiquei escrevendo um pouco para passar o tempo, mas os meus pensamentos não se encontravam nesta hora e me perdia em idéias que não tinham nada a ver.

Scot chegou em casa para almoçar e levar comida para os trabalhadores que ficaram lá na roça. Estavam com muita fome naquela hora, pois a vida no campo começa cedo e o trabalho é pesado. Ele aproveitou também para comprar algum material para a reforma da fazenda.

Não tendo o que fazer pedi ao Scot se poderia acompanhá-lo à fazenda na parte da tarde já que não iria fazer nada depois do almoço. Ele disse que até seria uma boa idéia, uma companhia no caminho de volta a roça. O caminho da roça continuava lindo, coberto com suas palmeiras imperiais, cobrindo grande parte da estrada. O asfalto estava seco pela falta de chuva na região, mas o carro rodava macio e também não havia poeira na estrada. A fazenda ganhou o nome de Palmeiras por causa da quantidade delas no caminho embelezando a paisagem.

O resto da tarde eu passei ali naquele lugar tranqüilo que faz a gente sonhar por com um mundo melhor para nós e para todos aqueles que nos cercam. Ar puro, só “giboiando” – descansando, ouvindo aqueles pequenos pássaros que faziam ressoar lindas melodias em meus ouvidos, vendo as cores vivas e variadas que até me embalava em rápidos cochilos debaixo das imensas árvores. Como é bela a natureza. Uma coisa que achei certíssima que fez meu cunhado, quando comprou a fazenda, foi trocar o caminho do gado. Assim eles não passariam em frente da casa grande evitando o mal cheiro no lugar além do que, inevitavelmente pisaríamos em cima dos estercos que estariam ali espalhados pelo chão ao descermos dos carros.

O meu mais novo amigo da noite e eu resolvemos dar um novo rolé pela cidade quando despontaram as primeiras estrelas, mas já sabendo de antemão que ele era um perigo. Ele não podia ver um rabo de saia que ficava doidinho e fazia tudo na surdina, mas fazia muito bem feito. E nesse dia, primeiro passamos pela Sorrita que não estava lá na hora só seu marido, que eu não conhecia, pois ha muito tempo não ia a Dom Joca. A conversa estava meio atravessada então, sugeri ao Zé que continuássemos o nosso passeio noturno pela cidade e ele concordou. Fomos procurar outro canto para nos encostar, mas naquele dia estava difícil por ser uma segunda-feira “brava’ no interior. Nessa busca de um novo lugar encontramos com a Rita que me pareceu triste e ela não quis entrar no assunto, pois parecia ser coisa séria. Continuamos o nosso trajeto e avistamos, na praça da cidade, o barzinho do Tabajara que se chama“A Praça É Nossa”, aberto e fomos para lá. Éramos os únicos no lugar. O Tabajara é um garoto bom de papo, mas tem de aprender muito com a vida ainda se quiser continuar neste ramo de negócio, caso realmente queira mexer com isso. O Zé não largava sua lata de cerveja e eu, pela primeira vez, bebi uma latinha de refrigerante, que desceu gostoso. Depois que já estávamos lá há um bom tempo o meu sobrinho Flávio chegou com uma cara de quem tinha aprontado alguma coisa de errado, mas ele não quis contar o ocorrido nem para o Tabajara que era da sua faixa de idade e seu colega de sala de aula. Mas ele teria aula de colégio a partir das sete horas da manhã, tanto que demorou pouco na Praça em função disso. O Tabajara esperava o fim do movimento noturno da escola para também fechar as portas do seu estabelecimento, pois sempre tinha alguém que ficava para tomar alguma coisa.

O Zé insistia para ir para casa. Ele deveria estar morto de cansado querendo dormir, mas no caminho de casa cruzamos com uma morena pelo menos suspeita, mas não disse nada só reparei que os olhares se cruzaram, mas fiquei quieto, Na quadra onde se situa a casa percebi uma mulher andando na quadra da casa do meu sogro parecendo estar esperando alguém ou alguma coisa sem motivo aparente. Nessa hora nada me veio à cabeça sobre aquela situação.

Por volta das vinte e duas horas despedi-me do pessoal que ainda assistia à novela e fui para o meu quarto repousar.

Pela manhã meu sogro e sogra comentaram que o meu amigo havia saído de novo e nem viram as horas quando ele retornou, então conclui que poderia ser aquela mulher de preto que o esperava para uma aventura amorosa.

Como nada tivesse acontecido nem toquei no assunto com ele. Não queria me envolver naquela situação, pois já conhecia sua fama de outros lugares, nem tão pouco entrar na privacidade noturna do amigo.

O bom desta tranqüila cidade é que a gente vive e não vê o tempo passar. A conta telefônica aqui não existe, as conversas correm soltas por todos os lados sejam elas quais forem, a prosa é afiada e diversificada. Tem-se poucas opções de diversões. Sinto-me aqui como uma outra pessoa, faço caminhada no final da tarde com amigos e isso já tem um outro sentido, mesmo que só caminhemos por volta de meia hora. Tudo aqui me encanta. O ensino colegial termina no terceiro ano logo quem tiver condição vai estudar em outras cidades, e quem não tiver condições financeiras tem de se virar por aqui do jeito que der. Não tem-se muitas opções de trabalho, e o Magistério aqui foi extinto. O movimento maior na cidade é nos finais de semana, feriados ou nas férias. Seus moradores recebem de volta seus filhos que estudam ou trabalham em outros lugares, mas o alto custo das passagens faz com que diminua um pouco a vinda para cá.

Estou aqui hoje como turista, tentando recuperar o meu estado de saúde, por me sentir um pouco debilitado.

Conversei com Fernanda, moradora daqui desde o seu nascimento, ela fala das mesmas coisas que já expus. Fernanda diz que nessa cidade quem não tem recurso para sair fica e é difícil ocorrer uma mudança no tipo de vida. Ela deu os mesmos exemplos que já citei aqui.

Ao entardecer não me senti bem, mas já sabendo o que me acontece nesse estado fui me deitar e adormeci sem maiores problemas. Pouco tempo depois, quando já revigorado do mal, eu comecei a jogar fora um pouco de conversa com o povo daqui, só para passar o tempo e ganhar mais resistência para qualquer outra atividade que fosse fazer. Conversei com o povo que acabara de chegar da fazenda e brincando com o Zé, chamando-o de andarilho da noite, mas isso foi por pouco tempo até que fosse me banhar, pois naquele dia o calor fora demais. Depois disso passo os olhos na novela que já sabia de antemão que já estava nos últimos capítulos. Os personagens ruins começam a perder e os bons começam a colocar suas caras para fora, mas como sei que é coisa de novela e já habituado com isso, nem esquento.

Neste intervalo chega na casa do meu sogro o jovem Flávio, alegre como sempre, me convidando para ir com ele à “Praça É Nossa” do seu amigo e colega Tabajara, a quem apelidei de bacalhau. Jovem da melhor qualidade e é de uma nova geração que está vindo aí, graças a Deus. Esse pequeno barzinho fica na praça da matriz, onde o pessoal mais jovem se agita nos finais de semana, fazendo daquele lugar uma parada obrigatória. Lá não tem bebida alcoólica para vender só sucos naturais e refrigerantes.

Depois de ter ficado um tempo ali, resolvemos voltar para casa e o Zé não estava mais lá naquela hora. Então fomos à missa de sétimo dia da senhora Neiva Costa, esposa do Carlos Costa, um amigo de muito tempo que tinha falecido subitamente. De uma das portas laterais da igreja avisto o andarilho da noite na Sórrita, já bebericando alguma coisa com uma morena. De longe não deu para que eu reconhecesse quem era a pessoa em questão. Achei estranho a situação da noite anterior, mas ninguém fez nenhum comentário a respeito da mesma. Como a minha curiosidade é aguçada fui até lá para conhecer tal personagem que fazia parte da vida do meu amigo. Chegando dentro do bar tomei o maior susto. Pude observar de perto a tal falada morena. Simplesmente era a Estael cria da dona Maria que deve ter uns 25 anos que conheço. Ela é uma ótima criatura e uma cozinheira, que faz qualquer tipo de comida sem maior problema e também adora uma “amarelinha” ainda mais quando está geladinha e escorre facilmente pela garganta a baixo. Aí o papo correu solto entre nos três, mas reparei também, pelo excesso do álcool já na cabeça dos dois, alguma coisa a mais do que uma pura e simples amizade, mas concluí que poderia ser o álcool fazendo sua parte.

Fiquei lá até por volta das 22:30 e depois me recolhi aos braços da minha linda cama que já estava à minha espera para um repouso justo. Deixei o casal ali naquela sem-vergonhice toda. Na manhã seguinte fiz um teste ficando deitado até mais tarde um pouco para ver qual seria a minha reação naquele dia, já que a cada dia eu estava tendo reações diferentes. Um pouco mais tarde levantei, lá pelas oito horas, coisa que não faço há muito tempo por ter uma rotina diária que cumpro a risca todos os dias. O povo já tinha se deslocado para a fazenda onde iriam pegar trabalho e o Scot fazia questão de levá-los como de costume até ao local do serviço. Na conversa que tive com meu cunhado ele comentou que o Zé não voltaria para Belo Horizonte, pois sua mãe mora aqui e ele mostrou interesse em continuar o serviço, já que estava ganhando não por hora trabalhada, mas por serviço feito daí o interesse dele na continuação da obra.

A jovem Fernanda ainda mostrava um olhar de tristeza estampado no rosto e eu até então não tinha sido capaz de desvendar o que estaria acontecendo com a jovem, mas sentia que estava quieta com cara de poucos amigos, por isso mesmo resolvi não insistir com ela, sobre tal problema, se realmente era só saudade.

Vocês me perguntariam pela doce Liz, a quem até agora não dirigi nenhuma palavra a respeito desse meu grande amor. Só diria que está guardada a sete chaves lá no lado esquerdo do meu peito sendo controlada todas as emoções desse coração já dando sinais de fraqueza pelo tempo, mas se mantendo em pé em função dela.

Aproveitando a manhã e os raios solares tive uma idéia que até então não passava pela minha cabeça. Resolvi primeiro passar no hospital e depois dar um pulo ao chuveirão, que existe na barragem. Ele foi todo reformado dando uma segurança maior para aqueles que o freqüenta. A água batia no meu corpo com violência e me massageava dando um alívio gostoso e então fiquei ali por alguns instantes deixando secar um pouco a parte de cima do corpo. Vesti a camisa e voltei para casa, retornando daquela deliciosa ducha entreguei-me a um banho de água quente que purificou meus poros. Já com espumas de banho lavo o meu corpo deixando-o perfumado e cheiroso a espera do almoço.

Procurei saber do meu cunhado se poderia ir com ele e a esposa a uma viagem aqui perto para fazer compras para a loja que possuem. Eles ainda passariam na gráfica, pegariam talões de notas fiscais e comprariam galões de tintas para darem uma retocada na pintura da casa que é muito bonita. Aproveitei e comprei os remédios manipulados para minha sogra, e também passei numa confecção comprei duas peças lindas de roupas para Liz, pois eram a cara dela e espero que goste do presente que vai cair como luva naquele corpinho escultural e que é um gesto de muito amor. Ali era a capital da região, Guanhães.

Foi acertado com ele que deveríamos sair de Dom Joaquim por volta das 15:30, mas que não ficaríamos lá por muito tempo só a conta de resolver os problemas pendentes. A viagem em si foi um sucesso com tudo resolvido a contento, mas no caminho de volta, começo a passar mal no carro. Não comento o ocorrido com ninguém, pois sabia o que estava acontecendo comigo. E chegando à porta da casa do meu cunhado, em Dom Joca, coloquei os pés para fora do carro aí senti que realmente estava muito tonto. Então pedi a ele que me deixasse na casa do meu sogro que é perto da casa dele. E ele fez isso na hora, e ajudou-me na descida do carro me levando para dentro de casa. Lá dentro mesmo tive uma tonteira e caí, mas o que para mim já era coisa normal, levantei-me escorando nas paredes, procurei o meu quarto e a minha cama onde repousei. Nisso minha sogra me traz um café bem forte com dois pães de cebola recheados de salsicha que desceram como água pela fome que estava sentindo. Dormi uns dez minutos acordando mais bem disposto. Logo depois andei, sentindo-me um pouco melhor, na cozinha sentei-me à mesa e comendo mais algumas coisas me senti melhor ainda.

Após meia hora não tive mais nada então vim embora na parte da tarde do dia seguinte. Saímos de Dom Joaquim um pouco antes do meio da tarde regressando à Belo Horizonte por volta de 17:45 sendo que a viagem foi super-calma apesar de já termos passado ali dias anteriores.

Chegando em casa a primeira coisa que fiz foi ver meu Pretinho, eu estava morrendo de saudades dele, pois ele faz parte da minha vida. Desde domingo estava fora de casa e sei que ele sentiu a minha falta, tanto quanto senti a dele, depois de fazer alguns afagos em seu pêlo pude sentir nele alegria em me ver. Telefono para Liz, que estava ansiosa pela minha chegada, preocupada com meu estado de saúde. Disse-lhe que estava tudo bem tranqüilizando-a um pouco.

Como era de costume ela chegaria mais tarde pelo fato de ser quinta-feira. Aproveitei e enchi a banheira de hidromassagem, tomei um delicioso banho sem hora de acabar, esperando por ela. Nesse dia porém, não demorou a chegar e ai foi só amor e...

Escritordsonhos
Enviado por Escritordsonhos em 03/04/2009
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