Nota Inicial:
Esta história eu escutei de um amigo, "jurando de pés juntos" ser verdadeira. Fiz então um conto/crônica sobre ela e a publiquei aqui no RL. Não obstante, um outro amigo aqui do RL, lendo meu texto, me informou que já conhecia a história e havia lido em algum lugar que ele não lembrava. Resolvi colocar uma nota aqui no RL, pedindo aos prezados leitores, que se alguém conhecesse a tal história me comunicasse, pois eu não tinha nenhuma intenção de repetir ou "plagiar" tal autor. Finalmente, um colega, também escritor do RL, me informou sobre uma crônica de Mario Prata (em 1998) relatando caso semelhante, apenas mudando um dos personagens de cachorro para coelho. (http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/o_coelho_e_o_cachorro.htm) O próprio Mario Prata conta que essa história é uma daquelas que surge "ninguém-sabe-de-onde" e é contada como verdadeira. Como "quem conta um conto, aumenta um ponto", a pessoa que me contou também disse tratar-se de uma história "verdadeira" e deu sua própria versão que acabei por relatar aqui. Então vamos a história "verdadeira" que meu amigo me contou:


UM MILAGRE BOM PRA CAHORRO (2) !

Mais um final de semana em Itaipava com Sansão. Minha vida com meu cachorro seria uma maravilha se ele não teimasse em ser tão desobediente e bobão. Sansão é aquele tipo de cachorro que não sabe bem o que faz, mas toda criança gosta dele. Companheiro, brincalhão, tolerante com crianças e muito amoroso. Porém, o fato dele ser grande, um dog alemão, e não ter a menor consciencia de sua força, às vezes me causa alguns constrangimentos. Outra coisa inexplicável com esse cachorro é o fato dele gostar de caçar coisas e desencavar, fazendo grandes buracos em meu jardim.  Arranca todas as cenouras, beterrabas e nabos do meu pomar e vem me oferecer como se fossem grandes troféus. Brigo com ele, mas apenas pra "manter a moral", pois no fundo, me divirto muito com esse bonachão.

Um dos grandes problemas que Sansão me criou recentemente, foi com a minha vizinha, moradora do lado, que também curte muito sua casa de campo. Ela também possui sua pet, uma minúscula cachorra da raça poodle, branquinha e muito barulhenta que é, visivelmente, paparicada por sua dona.  Chama-a de Santinha, e diz que embora ela seja pequena, é grande protetora de sua casa.  Seu apêgo a Santinha é imenso e trata-a como se fosse sua verdadeira filha.

Não sei por que cargas d'água, Sansão também é apaixonado pela cachorrinha que deve ter um quinto de seu tamanho. O problema é que minha vizinha odeia Sansão e vive expulsando-o de seu jardim. Chegar perto de Santinha? Nem pensar.  Sansão, porém, é rebelde e desobediente e parece que fez de nossa idas à casa de campo um desafio à minha paciência e aos nervos da vizinha. Está visivelmente apaixonado pela Santinha e, mal chegamos em casa, ele escapole pela janela do carro e sai correndo em direção a casa da vizinha para brincar com sua amiguinha.

Sansão quer brincar com aquela gracinha cheia de pelos branquinhos, perfumada e de lacinho rosa no pescoço. E ela também, ao escutar os latidos dele, vem correndo toda alvoroçada  e se lançam um contra o outro numa grande algazarra  parecendo dois jovens arrebatados e apaixonados.

Porém, logo em seguida vêm os gritos e xingamentos da vizinha que imagina que sua cachorrinha vai ser cruelmente violentada e abatida por aquele babão e estorvado cachorrão.  Sobra para mim, escutar todas as ameaças e desaforos da vizinha e, por mais que eu lhe explique que Sansão quer apenas brincar, ela não acredita e teme pela vida da Santinha.

De tanto que a vizinha tem falado do mal que Sansão pode causar a sua cachorrinha, passei a ficar apreensivo e nervoso, achando que, por uma dessas tragédias da vida, Sansão, por não ter consciencia de sua força, possa realmente, vir a machucar aquela minúscula cachorrinha. Passei a controlá-lo mais e prendê-lo para que ele não fuja mais pra casa de minha intolerante vizinha, o que não tem sido uma tarefa fácil.

Neste último final de semana, no entanto, aconteceu aquilo que temia. Ao chegar a minha casa de campo, Sansão escapuliu rapidamente pela janela do carro e saiu em disparada para a casa da vizinha. Comecei a gritar com todo pulmão:
_Sansão! Sansão!
E depois de muitos assobios insistencia, eis que Sansão chega em meu jardim trazendo algo em sua boca. De longe não reconheci, mas olhando de perto, me apavorei:
_Por Deus, Sansão! O que foi que você fez?!

E não é que meu louco cachorro trazia a Santinha entre suas mandíbulas? O quadro que vi, me fez em alguns instantes pensar que Sansão era mesmo louco ou tinha mesmo uma personalidade assassina.  Falei:
_Solta ela, solta ela, Sansão!
Parecendo entender,  ele deixou cair nos meus pés a cachorrinha que jazia morta e toda suja de terra parecendo ter sido torturada antes.
_Oh, Deus, eu não acredito! Como você pôde Sansão?!
Para minha surpresa, Sansão deitou-se e colocando a cabeça entre as patas começou a uivar, parecendo lamentar e a chorar pela morte de sua amiguinha.

Aturdido, não sabia se lamentava a morte da Santinha ou o uivo pesaroso de Sansão.
_Não! Ele não pode ter feito isso por maldade!  Certamente, foi um acidente! - pensei
Aquela cena insólita me desmontou e, até hoje, penso se a atitude desvairada que tomei, não foi consequencia de um surto momentâneo.
_Tenho que pensar em alguma coisa, antes que a dona da Santinha venha até aqui.

Num impulso e motivado, especialmente, pelo choro lamentoso de Sansão, peguei a cachorrinha, dei-lhe um banho, sequei-a com o secador de cabelos, perfumei-a, peguei aquela fita rosa que veio com o jarro de flores que comprei e adornei-lhe o pescoço com um bonito laço.  Finalmente, resolvi colocá-la de volta ao jardim da casa da vizinha tendo todo o cuidado para ela não me ver.   Em minha mente algo me dizia que eu deveria proteger Sansão, pois eu sabia que ele não era um assassino.  E, quem sabe a vizinha não pensaria que sua cachorrinha teve uma morte súbita, sem nenhum sofrimento?  

Enlouquecido, deitei-a na grama e corri para casa. Sabia que eu estava cometendo um delito, mas meu único pensamento naquele momento, era salvar Sansão. Peguei minhas malas, botei Sansão no carro e pensei que a melhor coisa, naquele momento, seria fugir  dali. Mas ao passar em frente a casa da vizinha, ouvi um alarde:
_ Dona Ana! Dona Ana, corra aqui ! Milagre, Santinha ressucitou!

Escutando isso, parei e perguntei:
_Como assim? O que houve?
E a empregada da vizinha exclamou:
_O Senhor não sabe? Santinha morreu ontem a noite atropelada e nós a enterramos  no quintal, lá atrás. Agora, ocorreu este milagre. Santinha ressucitou e veio parar aqui, limpinha e perfumada no jardim.

Mais uma vez, surpreso e estupefacto, entendi o que havia acontecido. Sansão não matou Santinha, ele apenas a desenterrou e a levou para me comunicar o ocorrido.
Suspirei aliviado:
_Algo me dizia que você não era um assassino, Sansão!