OS DIAS QUE PASSEI CONTIGO

O Internacional completou cem anos em quatro de abril de 2009, ontem. O centenário vem sendo comemorado nos últimos meses graças a uma excelente campanha de marketing promovida pelo clube que possui cerca de oitenta mil sócios.

Ontem, passei o dia revendo jogos, gols, em especial o compacto da final do mundial de 2006 e as manifestações de jogadores que escreveram, mais que outros, a história, Falcão, Fernandão, Clemer, Gabiru, Carpegiani, Figueroa, Valdomiro, Claudiomiro, Pato e outros.

A Placar já relacionou os cem melhores jogos, os cem isso, os cem aquilo. E talvez eu um dia escreva “Inter – Os cem dias que passei contigo”.

Lembrarei o dia em que, com dezessete anos, cheguei aos Eucaliptos (estádio que ainda existe, foi palco da Copa do Mundo de 50, deixou de ser usado para partidas oficiais em 1969) e encontrei Tesourinha, o maior ídolo do Rolo Compressor, o grande time da década de 40, hexacampeão gaúcho. E também narrarei o dia em que encontrei Valdomiro (um dos maiores jogadores da história, ídolo nos anos 70, tricampeão brasileiro e octacampeão gaúcho) e com ele conversei longamente no Shopping, observando a exposição comemorativa aos 80 anos do clube.

Falarei do dia em que cheguei ao Gigantinho (o ginásio de esportes que fica ao lado do estádio) e por acaso entrei na sala onde uma senhora lustrava troféus que seriam transferidos para o novo museu. E lá fiquei eu, com o primeiro troféu da história do clube na mão. Logo depois com a bola com a qual foi jogada a primeira partida no estádio Beira Rio. Levei duas décadas para descobrir que a primeira taça, de prata, foi disputada num jogo do time A contra o time B.

Contarei, sei lá se vou conseguir, a emoção naquela manhã de dezembro de 2006 quando o time ganhou o Mundo em Yokohama e eu não vi entrar a bola inacreditável no gol do Gabiru, mas também falarei de um certo mundial, de futsal, jogado no Gigantinho, quando o Inter foi Campeão do Mundo, vencendo o mesmo Barcelona, e eu estava lá.

Descreverei como consegui um lugar no dia em que o Beira- Rio superlotou numa tarde infeliz de 76, quando o Inter perdeu a Libertadores para o Cruzeiro, único time do mundo que poderia vencer aquele Inter (distribuindo cigarros, na época era chique ser jovem e ter cigarros) e vou contar como cheguei ao topo da arquibancada em outra noite infeliz, contra o Olímpia do Paraguai em 90, também pela Libertadores (fui subindo graças a diversas brigas de bêbados).

Vou falar no gol do Valdomiro no Corínthians, na final do brasileiro de 1976, que eles juram que a bola não entrou, mas entrou e eu não tive dúvida, na hora; no golaço do Falcão no Caxias do Felipão, que era zagueiro; na noite chuvosa de agosto quando a nossa trajetória concluiu o passeio pela América; na dominada de bola improvável de Mário Sérgio, na subida iluminada de Figueroa (no gol do primeiro título brasileiro); na bola entre as canetas de Ancheta, que só o Lula conseguiria colocar, naquela tarde de sol em que fomos octacampeões gaúchos (1969-1976); nos gols de canela que só Dario conseguiria fazer.

Vou falar do dia em que Clemer foi impecável um jogo inteiro; de um zagueiro que passou pouco tempo e foi craque por aqui, Fabiano Eller; de um centromédio multicampeão que muitos criticavam, mas nenhum treinador tirava do time, Edinho (eu também não tiraria), de um levantador de troféus como ninguém, Fernandão; de um treinador que disse na preleção, “façam o que eu mandar que nós vamos ganhar”, Abel, e foi decisivo no Mundial no Japão.

Mas talvez eu não escreva esta história limitada a cem. Basta começar a lembrar e vêm, aos borbotões, as imagens de uma trajetória, que transcende a matemática, as datas e os clichês, do Inter de todos os dias, de sucessos e fracassos que quase esqueci, das tardes, noites, no Beira Rio.

Eu e o maior presidente da história, Fernando Carvalho, freqüentamos o mesmo cardiologista. Inter, eu sei que tu és “mortal”*. Se o coração empacar por culpa tua, é também por tua culpa que tem vivido em disparada.

*Mortal: uma ironia aos tradicionais adversários que dizem que o time deles é imortal.