História de uma casa

Contavam-se histórias a seu respeito, mas ninguém sabia a divisa entre fantasia e realidade, embora o pó na calçada em sua frente denunciasse o quanto era evitada; desviar tornara-se um hábito para os pedestres. Às vezes apareciam pegadas e sabia-se que alguém de fora passara por ali.

Uns diziam que foi por causa de uma grande decepção, outros alegavam que foi a educação deturpada ou a falta dela, já os mais críticos e menos generosos diziam que era por maldade, mesmo. O fato é que pintara a casa assim e, apesar de todos os anos que se passaram, a pintura persistia incólume e a casa, quase milagrosamente, também.

Contavam alguns bem antigos, já com a memória alada e volátil, que quando se começou a pinta-la ninguém conhecia aquela cores. Por falta de nomes que as identificassem, usaram sensações: as paredes externas eram amargura, a sala de estar foi pintada de ausência e um pedaço dela de solidão, um quarto de desarmonia, outro de inveja e outro, ainda, de desalento, a avareza cobria todos os espaços da cozinha, o desinteresse se sobressaía na copa e o banheiro ficou carregado com o uso, apenas, de apatia.

O pátio acostumou-se tanto à casa que o desalento se instalou, a tal ponto que quase nada cresceu ali. Um dia, um grupo de crianças, mais puras e menos observadores dessas tristezas, entrou a brincar no pátio, sem se dar conta que seus gritos de alegria não ecoavam pela casa, apesar de algumas janelas e portas abertas. Notaram um pequeno espaço de terra de cor mais clara e a curiosidade os levou a cavar. Depararam com pedacinho de madeira em que havia sido pincelada uma tinta para teste. Mirando-a, sentiram uma sensação muito boa, mas, talvez por serem crianças, não identificaram a cor como amor.

O buraco cavado passou a exalar forte perfume de jasmim que se espalhou pelo pátio, atraindo abelhas, e se infiltrou na casa. Perfumou cada cômodo e, à medida que o fazia, inexplicavelmente as cores mudaram: um quarto pintou-se de aconchego, outro de carinho, o terceiro de cumplicidade, a sala de sorrisos, a cozinha de solidariedade, a copa de harmonia, o banheiro de banho recém-tomado e as paredes externas de bem-vindos. As risadas das crianças fizeram eco e o vento bateu palmas com as janelas.