MEMÓRIAS DE RONDÔNIA (I)

Final do ano de 1982. Eu era fiscal do Setop (setor de operações) da Agência de Vilhena(RO) do Banco do Brasil. Tinha pouco mais de um ano de serviço. Durante minhas andanças pelo PIC-PAR (Projeto Integrado de Colonização “Paulo de Assis Ribeiro”), um projeto desenvolvido pelo INCRA na região de Colorado d’Oeste (RO), fui protagonista de um incidente lamentável e angustiante.

Naquele dia eu vistoriava as lavouras numa região pobre, colonizada por migrantes das mais variadas regiões do Brasil, que ali foram instalando-se e desenvolvendo atividades agrícolas, na maioria de subsistência, de maneira rudimentar, a base de machado, foice e enxada. Numa extensão de 16 quilômetros, de uma estrada, existiam 64 proprietários parcelas de terras de aproximadamente 100ha cada. A cada 500 metros havia um morador em ambos os lados da estrada que dividia duas glebas maiores. Todos eram mutuários do Banco do Brasil (financiados) – os “Mutuns”, como eram chamados popularmente pelos colegas de Banco.

Desci do Jeep (um Willis Overland - motor 6 cilindros, tração nas quatro e ano 72) em um desses sítios e não havia ninguém, a não ser, um cachorro velho e faminto que, com minha chegada, veio refestelar-se ao meu redor. Fiquei ali parado por alguns instantes recompondo-me dos pulos e esbarrões da viagem. Estrada ruim, cheia de buracos, valetas, subidas e descidas íngremes. O mutuário deveria estar trabalhando na roça no fundo do imóvel e, certamente, com a família toda.

Em um dado momento tive meus pensamentos interrompidos por gritos de socorro vindos do sítio vizinho. Não tive dúvidas. Sai correndo na direção do chamado, por um “trieiro” sinuoso e cheio de obstáculos. Ao cabo de uma corrida ininterrupta de aproximadamente 300 metros deparei-me com um barraco feito de “pau-a-pique” e coberto com folhas de coqueiro. No seu interior havia uma mulher com uma criança, de aproximadamente 8 a 10 meses, nos braços. Alucinada, a mulher gritava o mais alto que podia que o seu filho havia morrido. Tomei-lhe a criança dos braços e coloquei sobre uma tábua que havia no chão aplicando-lhe, em seguida, os primeiros socorros que aprendi no Exército. Não tinha mais jeito algum. Aquele corpinho flácido e gelado já estava sem vida. Aquela chama de vida, apenas iniciando a brilhar, apagara-se pra sempre.

O menino, engatinhando-se pelo terreiro da casa, escorregou e caiu de bruços em uma poça d’água, que sequer cobria-lhe as orelhas, e morrera afogado. Tomei algumas providencias que se faziam urgentes naquele momento, chamando os vizinhos, procurando pelo pai e retornei à cidade de Colorado d’Oeste, onde, durante o almoço, escrevi o poema abaixo em memória daquela criança. Jamais consegui entender de onde obtive força para suportar tanto sofrimento e desolação....

Se indiscutível é,

Aos nossos olhos,

A sorte...

Infalível temos,

Bem mais forte,

A morte!

Pobre inocente,

Ao desabrochar à vida...

Fez, a mim chorar,

Tal qual seus pais,

De tanta dor sofrida!

Que em bom lugar,

Nosso Deus, o tenha...

Que neste mundo de ilusões,

Mais, não venha!

Seu nome?!

De ficar sabendo,

Não tive a sorte...

Se lhe conheci

Foi por capricho

Da implacável Morte!

Roubou-lhe a vida

Sem a menor clemência...

Murchando a flor, botão,

E desprezando, em Ti,

A inocência!

Joãozinho...

Sempre serás a mim!

Rogo a Deus, então,

Glorificar seu fim!

Érico Mendonça

(Pantaneiro – Contabilista)