DANÇAR, VERBO INTRANSITIVO

DANÇAR, VERBO INTRANSITIVO

Maria Teoro Ângelo

A hora mais importante, numa festa de quinze anos, é a valsa dançada com o pai. Foi assim que o nosso amigo e filha se prepararam para executá-la sob os olhares da platéia. Vestidos de gala entraram no salão e a música não vinha. Ainda não havia a profissão de DJ. Um alguém que entendia de som e não necessariamente de música, finalmente colocou o disco para rodar.

Sem entender, a platéia ficou tensa. . Quem viu, nunca esqueceu. A música no ar era uma marcha triunfal, uma música clássica bonita, cheia de vigor, mas não era uma valsa. Pai e filha não tiveram dúvida. Saíram dançando, não conforme a música, mas conforme o desejo. Tarefa difícil em que o passo destoa do compasso .Foram em frente e dançaram sob a aflição de todos. Não deles, que nem precisariam de música, já que a alegria também faz dançar.

Tudo muito correto, aplaudido e louvável.

Outro dia, o Brasil tremeu quando, inesperadamente, uma deputada saiu dançando para comemorar a vitória de um de seus pares, que se livrava da punição. Também não seguiu a música, que deveria ser o decoro parlamentar. Como no caso da debutante não precisou nem do som. Para dançar, no sentido primário, basta estar bem alegre. Dizem que, com o gesto, ela dançou, no sentido secundário.

Todos sabemos que os anti-heróis também comemoram os seus deslizes. Comemoram os que cometeram a ilegalidade e comemoram quem a perdoou. Tudo parece um acordo de proteção mútua, porque, em tempos de baile, se um dia é da caça, o outro pode ser do caçador.

A senhora dançarina alegou que foi discriminada por ser gorda e não pintar os cabelos. Se fosse uma bailarina esguia, nova e bonita o impacto seria menor. De fato, sobre o chão do congresso a força do impacto seria muito menor mesmo. O que está em questão não é o peso do corpo de ninguém, é o peso de um gesto que afronta o povo, mina a credibilidade nas nossas instituições, e respinga lama sobre quem se portou dentro dos limites do bom senso. A vitória do réu foi apertada e quem se absteve de votar, quem votou em branco ou anulou o voto bem que poderiam nos dizer o que estavam fazendo lá.

Nada choca mais uma sociedade do que a exibição, em horário nobre, nas manchetes de jornal e nas capas de revistas, da alegria infeliz, inoportuna, inadequada de quem nos representa. A dança macabra, cujos passos obedeciam ao ritmo do descompromisso com a moral, da certeza da impunidade, só pode reafirmar uma coisa. Mais uma vez, quem dançou fomos todos nós.

Maria Aparecida Costa Teoro Alves Ângelo

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 10/05/2006
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