Os mistérios poçoenses

Têm coisas que foram sonhos. Outras, verdade. Algumas histórias juntaram as verdades aos sonhos. Se explorados, talvez eu possa juntar os mistérios dos sonhos com as histórias da mitologia. Um dia, quem sabe, poderei desenvolver a mitologia poçoense, com as histórias dos Bacos, das Afrodites, dos Eros (essas figuras eram as mais representadas) e de tantos outros que inculcaram as mentes dos nossos conterrâneos.

Nos sonhos, depois da chuva, grandes tanajuras saiam dos buracos. Umas de asas e outras, de corpo liso. Elas cruzavam a linha do jogo de triângulo fincado na terra molhada. De imediato, apareciam os catadores, apreciadores da "bunda de tanajura", para ser frita com manteiga e depois comida como se fosse amendoim, tira gosto... ou para espetá-las em um palito para ouvir o barulho das asas, bem próximas ao ouvido.

Cheguei a sonhar com aquelas formigas como se fossem insetos gigantes e que todas elas moravam em um grande buraco debaixo do Obelisco. Talvez, depois de seis dias e seis noites sem parar de chover, a praça da Prefeitura pudesse estar infestada delas. O buraco era tão grande que engoliu o Obelisco. Sobraram os eucaliptos – eles eram grandes demais e suportavam tantas formigas gigantes nos seus troncos. Quando o portão do Alexandre Porfírio se fechava, eu me sentia protegido mas ainda imaginava - e se elas resolvessem se abrigar no porão da escola? E se empurrassem as tábuas do assoalho?

Sem a chuva, vinham os umbus. Eram tantos os meninos com latas cheias, que ainda questiono quando passo na BR116: cada um deles [menino], foi a transformação do umbu que não fora colhido no ano anterior? O umbu virou menino? E se os pés de umbu, quando velhos, se transformassem em velhas mulheres? Isso está mais perto da realidade, basta ver a quantidade de mulheres vendendo umbu na estrada.

Sonho à parte, chegava a época da "gabiraba" e começava aquela "romaria" para a braúna da estrada da Cachoeirinha. A crendice do povo dizia que a árvore ardia em chamas todas as noites e a luz podia ser vista do campo de aviação. Ninguém passava por lá à meia noite. Durante o dia, não se avistava nenhum galho queimado. Como podia ser aquele mistério? Na dúvida, eu nunca me arrisquei a entrar sozinho para catar gabiraba naquele mato. A extinção da fruta acabou também com aquele tanto de mulheres sentadas no jardim da praça principal.

Mas quem não se lembra da mulher macho? Havia a história que ela era homem durante seis meses e nos outros seis, mulher. Ainda por cima, mesmo quando mulher, vestia-se parecida com um homem e pedalava uma bicicleta.

Também, muitos boêmios e amantes da noite sabiam que a meia noite era "as horas mortas", a hora em que a cachoeira parava. Da janela daquele prostíbulo, se avistava o cemitério. Acho que por isso ninguém tinha coragem de tomar cafezinho olhando por ela. Na volta pra casa, o passo era apressado em frente ao muro do cemitério. O frio doía na alma, literalmente. Na passagem pela lateral da igreja, já aliviado do medo das almas, ouvia a rasga mortalha [coruja], anunciando que alguém poderia morrer em três segundos, três minutos, três horas, três meses ou em três anos.

A superstição sempre fazia alguém bater à porta daquele que no quintal da casa tivesse um eucalipto plantado. A árvore não podia ultrapassar o nível da cumeeira. Se isso acontecesse, morreria o dono da casa. Então, nossos preocupados conterrâneos cuidavam de avisar aos menos crédulos e convencê-los de que o topo da árvore deveria ser cortado.

Lembro-me da história da mulher sem cabeça na estrada de Conquista e toda vez que viajo não me sai do pensamento – Deus que me livre!!! Mas ainda prefiro as crendices e os mistérios mais leves, como os pedidos nas estrelas cadentes ou do ganhador de galinha, das sandálias viradas e do leite com abacaxi.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 18/04/2009
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