A “alma” feminina existe?

Qualquer feminista de boa estirpe, tipo Rose Marie Muraro, contestaria de inicio esta tal de “alma” feminina, uma “anima” universal, comum em todas as épocas e culturas. A alma feminina seria um sub-produto, mera invenção da psicologia junguiana, visão unilateral dos homens que dominam a vida pública desde o patriarcado.

Expliquemos melhor o que entendem as feministas, baseado em estudos antropológicos, históricos e sociais. A maneira de proceder das mulheres através dos tempos, a forma de tratar os homens e as crianças, refletem, em parte, o valor como é encarado seu trabalho na vida social. Há culturas onde o homem caça e a mulher cuida do produto da caça; onde homens e mulheres caçam e pescam; onde mulheres colhem na agricultura e homens caçam, e assim por diante. Em cada forma de produção, a mulher é tratada, age e pensa diferente.

E ainda mais: as mulheres não são as mesmas, na sociedade atual, de acordo com a classe social à qual pertencem. A “alma” da mulher do campo não é idêntica à da operária, nem a da classe média liberal - artista, intelectual, etc - se compara à da burguesa .Cada uma delas tem a sua visão do mundo. Portanto, o psicológico das mulheres não é sempre o mesmo, segundo as feministas.

A tão decantada “alma” feminina, repleta de ternura, carinho, cuidado com os filhos, seria, assim, um reflexo da divisão: o privado para a mulher e o público, a competição, o trabalho na repartição ou empresa, para o homem. Com a família burguesa sedimentou-se uma nova concepção de mulher, a “Rainha do Lar”, a doméstica, transmissora dos valores morais necessários à perpetuação de classe.

Na moral cristã, depois que a igreja firmou-se como instituição, a vida da mulher nunca foi boa, nem sempre foi vista com romantismo. Ao contrário, até na visão dos Grandes Santos da igreja – S. Tomaz e S. Paulo – ela era responsável pela “queda” de Adão no paraíso, inimiga da serpente, perigosa como uma cobra, a causa de todos os males e todas as pestes.

Na Alta Idade Média, quando se iniciou o rudimento do amor cortês, os menestréis e trovadores cantavam suas serenatas para as mulheres inatingíveis, as nobres, as mulheres dos outros que depois, por séculos, foram queimadas na fogueira da Inquisição, acusadas como bruxas, endemoniadas, heréticas.

Só a partir da Renascença, do protestantismo e do Capitalismo Primitivo, na Era Industrial, a mulher passou a desfrutar do “amor romântico”, bem diferente daquele da Idade Média. Antes, elas se casavam para selar acordos entre famílias da aristocracia feudal. A mulher assexuada, laboratório de filhos saudáveis para gerirem o patrimônio da nova classe burguesa, imprimiu uma diferente imagem feminina, pelo menos nas classes dominantes. As mães miseráveis, como sempre, continuaram na mesma situação. A concepção da “alma” feminina, segundo as feministas, é decorrente desta padronização estereotipada, tão decantada por poetas e romancistas.

Já em Jung, discípulo dissidente de Freud, existe no inconsciente coletivo da humanidade a “alma” feminina e a masculina – ”anima” e “animus” – respectivamente. Ambas são reproduzidas nas lendas, mitos, obras literárias, folclore e artes. Jung, ao contrário de Freud, valorizou em muito a figura feminina.

Para nós, o que interessa aqui, é o estudo da ”alma” feminina, o “anima” elemento feminino também presente na psiquê masculina. Seria, para Jung, a personificação de todas as tendências psicológicas femininas do homem: humores e sentimentos instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a sensibilidade à natureza e à capacidade de amar.

Para ele, muitas vezes, a “anima” aparece nos sonhos como feiticeira (ânima má), ou sacerdotisa (anima boa), mulheres que levam homem à ruína, etc. A “anima” teria quatro estágios de individuação, extraídos dos mitos, da literatura e dos livros sagrados: Eva (a mulher erótica), Helena de Fausto (mulher romântica), Virgem Maria (mulher espiritual) e Sulamita (a sabedoria nos cânticos de Salomão). Cada homem tem sua “anima”, ou seja, a idéia que ele faz do seu protótipo de mulher. Em geral, o arquétipo de mulher tem as características de sedução, sabedoria e sensualidade.

Ao nosso ver, cada cultura, em cada época, valoriza mais ou menos um tipo de “alma” feminina, ao sabor das relações de produção, mas todos os quatro tipos de “alma” feminina estão mais ou menos presentes na visão do Homem.

Diz-se, por exemplo, que a mulher atenta mais para detalhes. Que é mais intuitiva. Que sua sexualidade é mais difusa, sensual e menos genital. Nem o cérebro é simétrico e funcionalmente o mesmo – embora menos pesado; e peso de cérebro não é sinônimo destas ou daquelas habilidades, ainda mais, quando se sabe que grande parte da massa encefálica tende a ser estimulada conforme as potencialidades. O cérebro tem sua plasticidade conforme os estímulos ambientais.

A mulher observa mais detalhes porque lhe é reservado – embora isto esteja mudando – o papel social da domesticidade. Quem não está no público e fica mais no privado, tem de observar detalhes para sobreviver, pois o geral, o genérico está determinado ao homem. Mesmo a mulher entrando no mercado de trabalho, a mudança das idéias caminha mais lento que as transformações das relações econômicas. O mesmo raciocínio se presta para a intuição feminina. É questão cultural.

O lado masculino da mulher, “ânimus” avança com a participação social no domínio público. Estão cada vez mais decididas e decisórias, trabalhando em funções antes masculinas. Contudo, apesar das mudanças, a idéia da “alma” feminina permanece, mesmo com o sofrimento de nós, tidos como homens.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 12/05/2006
Código do texto: T154852