Floooooores....Floooooores

Todos os domingos se ouvia, bem de longe, o bradar do florista. Era um grito característico, percebido a quilômetros de distância.

Seu nome era Genésio, mas todos o conheciam por Flores – Seu Flores – um homenzarrão desconhecedor da leitura e da escrita, mas, muito popular, era conhecido por todos no bairro. Sua fama ultrapassava a freguesia. A zona oeste e a zona norte de São Paulo eram a sua sala de estar.

Genésio vendia flores e doava sorrisos. O sorriso banguela, comum naqueles tempos, era contagiante.

Um dia, um dentista do bairro, Doutor Bianchi, resolveu doar uma dentadura ao florista, e desde então o sorriso passou a ser ainda mais farto, mais largo, mais contagiante.

Tanto é que o Bloco da Pérola Negra – mais tarde se tornou escola de samba – o convidou para ser destaque no desfile de carnaval, na rua doze de outubro, tradicional palco dos desfiles de rua do bairro da Lapa. Lembro bem que nesse ano o bloco foi escolhido para participar do desfile municipal, na avenida Tiradentes, tudo graças ao encanto do Genésio, e, claro, da formosura das passistas.

Nessa época os desfiles eram bem comportadinhos, nada de seios à mostra, nada de insinuação pornográfica, os desfiles eram feitos para as famílias. Não que não houvesse sexualidade, mas isso ficava restrito aos bailes das boates.

A família do vendedor de flores estava presente ao desfile, toda orgulhosa; seus sobrinhos também foram desfilar em outra ala. Ele não teve filhos... sua mulher era muito doente!

Ninguém esperava o desfecho surpreendente. Sem nenhum aviso, nenhuma pista, no meio do desfile o velho apregoador desabou. Teve um infarto.

Foi um reboliço muito grande, pois não havia ambulância de plantão, nem um médico sequer para atender a esse tipo de emergência.

Apesar disso, o homem não morreu! Seguiu na avenida apoiado pelo apitador da bateria de um lado e um mulato forte do outro (um dos que empurravam o primeiro carro alegórico do bloco), e foi até o fim do desfile, todo orgulhoso, todo faceiro, todo prosa com seu riso (ou ricto) estampado no rosto sofrido.

No final do desfile, no local a que hoje chamamos “dispersão”, já estava um carro pronto para levá-lo ao hospital mais próximo – o Sorocabana – onde ficou internado um mês, mês e meio, não sei ao certo. Sei que sua carroça de flores ficou guardadinha na casa do mestre do apito, um sobradinho que foi demolido há alguns anos para dar espaço a um edifício enorme (alias todo o quarteirão virou prédio de apartamentos).

Tempos depois ouvia-se novamente os brados fortes do florista, agora, porém ele tinha se modernizado. Ao invés de bradar de peito aberto (os médicos proibiram terminantemente) ele falava ainda forte, mas no auto-falante do tipo corneta que o mestre do apito lhe tinha presenteado. Assim era sua vida: os clientes e amigos o ajudavam, mas ele nunca desistia do seu propósito.

Não foi sempre assim, dizia ele, mas o que tinha agora agradecia a Deus e a sua mulher, seus pilares, entes inspiradores de sua vida.

Assim por muitos anos mais assistimos o apregoar das flores.

Outros vendedores passavam por lá, como o sucateiro, o amolador de facas e tesouras, o vendedor de picolé, o bijuzeiro e o vendedor de quebra-queixo e geléia de mocotó.

Quase sem perceber, os roncos dos automóveis foram substituindo a voz já cansada do velho e também a algazarra dos outros vendedores.

Soubemos do falecimento da mulher dele, muito doente de um câncer no estômago.

A família, certo dia eu soube, mudou-se para outro bairro, muito distante, mas ele ainda continuou seu giro por muito tempo. A casa ainda era deles e o velho permaneceu, creio, morando só.

Hoje não sei por onde anda, se vivo ou morto, mas lembro saudoso seu apregoar, ladeado da gaita do amolador de facas e da matraca do vendedor de biju.

Eram bons tempos, eram boas as floooooooores.......

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 23/04/2009
Reeditado em 30/07/2009
Código do texto: T1555600
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