MULHERES PERDIDAS

A expressão mulheres perdidas emerge do passado e traz à tona algumas cenas, pois a ouvi várias vezes da boca do meu pai e de muitos outros homens daquelas épocas chamadas do carrancismo. Até preciso pesquisar sobre a origem da expressão, mesmo entendendo-a perfeitamente.

Era um tempo de moralismo, até exagerado, todos sabemos. De machismo, de atitudes constrangedoras em direção às mulheres. Mulher era apenas para casar, parir, cozinhar, criar filhos, lavar roupas, obedecer a pai, marido, amante, filho, neto e bisneto, se alcançasse. Tinha que andar na linha, conforme apregoaram os machos daqueles tempos, mas que deixaram suas marcas e substitutos. Eles ainda fazem e tentam manter a tradição, nem todos, façamos justiça, apesar do passado de arbitrariedades. Não vale a vendetta.

As outras mulheres, diferentes das obedientes, e que ousavam fazer algo fora do determinado pela cúpula masculina instituída por conta própria no mundo sem lei, eram as mulheres perdidas.

Hoje, se alguma jovem ouve ou lê essa expressão em destaque, pensa imediatamente que as mulheres se perderam (literalmente) em algum espaço geográfico. Por exemplo, elas perderam a direção, o endereço, o caminho, a estrada, o avião, o trem, o ônibus. Enfim, não sabem como retornar a um ponto de origem.

Além de serem perdidas, as desobedientes ganhavam o adjetivo que designava a condição mundana, prostituída da jovem ou adulta. Perdida era termo sinônimo de outras palavras e expressões, a exemplo de RAPARIGA, MULHER DE RUA, MULHER DAMA, PROSTITUTA, RAMPEIRA, CAFETINA, tudo a depender de alguma circunstância.

Notei depois que justo os mesmos homens que execravam essas criaturas, e repetiam o palavreado, eram os mesmos que viviam na noite, nos cabarés, puteiros, casas suspeitas, bordéis. Passavam madrugadas embebidas em álcool e prazeres da carne, divertindo-se com as perdidas e, em seguida, voltavam para o leito da casta matrona que dormia o sono da justiça dos anjos, pós-missa assistida em companhia das irmãs, comadres e vizinhas.

A mulher começou a lutar, a convocar outros craques para o meio do campo, a tirar a roupa de vez, a cuidar do corpo, afinal, achando alguns caminhos, mesmo às vezes não propriamente bons em virtude de exageros daqueles do tipo “quem nunca comeu doce, quando come se lambuza”. Estão lambuzadas as mulheres, mulheres lambuzadas, satisfeitas, insatisfeitas, vitoriosas, perdedoras, completas, incompletas, estressadas, tranqüilas, enfim, mulheres.

O mundo volteia, e nas voltas completadas ao longo das décadas de teimas e discussões, surge uma nova figura, a dos homens perdidos. Como já se disse na França iluminada: “hony soit qui mal y pense”.