Especial
Rosa Pena
“Uma separação bem conduzida é melhor que uma relação malresolvida.”
Nathaly Campitelli Roque
Anabela ficou deitada naquela manhã, pensando sobre esse tal “aprender a ser só”.
Sabia que se quisesse teria mil acompanhantes, aqueles de ocasião, para um jantar, um teatro, uma esticadinha em um motel, tipo colocar o orgasmo em dia. Sabia também que não é bem isso que ela queria da vida. Nunca fez o seu estilo.
Veio à sua mente os exemplos que a vida faz questão de nos apresentar diariamente. Não se acaba um casamento de mais de vinte anos e se abre uma garrafa de champanhe. Por pior que tenha sido, foi!
“Dá para recomeçar aos quarenta e cinco? E as crianças? E meus pais? E os amigos? Por que não dei um rumo profissional à minha vida? Por que tive filhos tão cedo?”
(Porque sempre foi mais emoção do que razão, apesar de tentar ser o contrário).
Minha amiga sempre aparentou navegar à frente de sua geração. Até hoje continua assim. Todos que convivem com ela ficam com a sensação de que ela conquistou plenamente a autonomia de sua vida. Não demonstra nunca seus vazios, suas dúvidas, seus medos, seus grilos. Não por orgulho, pois é de uma simplicidade total, mas por ser uma pessoa que se importa mais com os outros do que consigo própria. Ela se sente responsável pela felicidade dos semelhantes. Isto a tornou uma pessoa especial na vida de cada um que se aproxima dela.
“Se cativei este homem, agora não posso dizer adeus.”
“Bolas, não posso chorar neste momento, é época de vestibular da minha caçula.”
E meus pais, tão velhinhos...
“Tudo ótimo, mamãe. Não se preocupe, aqui está tudo mil.”
“Pai, te pego as dez para o médico.”
E meus amigos...
“Rosa, teu cabelo está lindo, chega de grilo.”
“Léo, deixa disso. Novos amores surgirão.”
“E o marido, até tão pouco tempo...”
“Não se acabe no trabalho. Vamos dar uma descansada.”
E na Net...
“Olá, todo mundo!!! O mundo é belo.”
E Anabela?
Qual é a tua escala do bem viver?
Amar tão malfeito, desfeito, refeito de tanto fazer? Será que te fez esquecer quem é a primeira, a segunda e a terceira na escala do teu bem viver (você)?
Anabela continuou, naquela manhã, deitada, repassando a vida a limpo. Os versos de amor sopravam em seus ouvidos. Versos simples como ela. Junto com eles as lágrimas quase escondidas. Até como poeta não podia apenas rimar amor e dor. Esperavam mais dela, muito mais e não podia decepcionar o leitor. Afinal, ela é especial.
Especial demais na vida de todos. Ela se excede no amor. Ela tem a noção exata do peso de ser especial na vida de alguém. Ser mais na vida dos outros por vezes é tão difícil!
Exupéry sempre teve razão na responsabilidade do “cativar”. Apenas esqueceu de dizer que quem cativa vive em cativeiro. Não tem a liberdade de errar. Eternamente cativa dos acertos.
Não era a preguiça que a mantinha na cama naquela manhã. Era a tristeza de pensar que poderia entristecer alguém com seu luto de alma. Luto sim, luto pela morte do casal.
Par ou ímpar?
Deu um. Ela solitária. Até ontem daria par.
Talvez um par imperfeito, mas o outro lado da cama não estaria vazio.
Como explicar que não houve ato cirúrgico capaz de remediar aquela relação?
Morreu! Se quiserem saber a causa que façam a autópsia e avisem, pois ela não sabe o que explicar. E afinal ela é tão especial que terá que enxugar as lágrimas dos outros que sofrerão por alguns dias. “C’est la vie” será o consolo dos passantes, e seguirão adiante.
Désolé!
A solidão é só tua bela, não se compartilha vazio!
Anabela só queria levantar, aquela cama, quando soubesse pedir perdão por sofrer tanto. Afinal, ser mãe, filha e amiga de todos implica manter a harmonia.
Harmonia é engolir sapos, né?
Ela só não sabe que dor alguma é maior que ela!
Não alise mais felpudos rabos. Na metade da vida saboreie apenas as uvas maduras.
Livro: PreTextos
Rosa Pena
“Uma separação bem conduzida é melhor que uma relação malresolvida.”
Nathaly Campitelli Roque
Anabela ficou deitada naquela manhã, pensando sobre esse tal “aprender a ser só”.
Sabia que se quisesse teria mil acompanhantes, aqueles de ocasião, para um jantar, um teatro, uma esticadinha em um motel, tipo colocar o orgasmo em dia. Sabia também que não é bem isso que ela queria da vida. Nunca fez o seu estilo.
Veio à sua mente os exemplos que a vida faz questão de nos apresentar diariamente. Não se acaba um casamento de mais de vinte anos e se abre uma garrafa de champanhe. Por pior que tenha sido, foi!
“Dá para recomeçar aos quarenta e cinco? E as crianças? E meus pais? E os amigos? Por que não dei um rumo profissional à minha vida? Por que tive filhos tão cedo?”
(Porque sempre foi mais emoção do que razão, apesar de tentar ser o contrário).
Minha amiga sempre aparentou navegar à frente de sua geração. Até hoje continua assim. Todos que convivem com ela ficam com a sensação de que ela conquistou plenamente a autonomia de sua vida. Não demonstra nunca seus vazios, suas dúvidas, seus medos, seus grilos. Não por orgulho, pois é de uma simplicidade total, mas por ser uma pessoa que se importa mais com os outros do que consigo própria. Ela se sente responsável pela felicidade dos semelhantes. Isto a tornou uma pessoa especial na vida de cada um que se aproxima dela.
“Se cativei este homem, agora não posso dizer adeus.”
“Bolas, não posso chorar neste momento, é época de vestibular da minha caçula.”
E meus pais, tão velhinhos...
“Tudo ótimo, mamãe. Não se preocupe, aqui está tudo mil.”
“Pai, te pego as dez para o médico.”
E meus amigos...
“Rosa, teu cabelo está lindo, chega de grilo.”
“Léo, deixa disso. Novos amores surgirão.”
“E o marido, até tão pouco tempo...”
“Não se acabe no trabalho. Vamos dar uma descansada.”
E na Net...
“Olá, todo mundo!!! O mundo é belo.”
E Anabela?
Qual é a tua escala do bem viver?
Amar tão malfeito, desfeito, refeito de tanto fazer? Será que te fez esquecer quem é a primeira, a segunda e a terceira na escala do teu bem viver (você)?
Anabela continuou, naquela manhã, deitada, repassando a vida a limpo. Os versos de amor sopravam em seus ouvidos. Versos simples como ela. Junto com eles as lágrimas quase escondidas. Até como poeta não podia apenas rimar amor e dor. Esperavam mais dela, muito mais e não podia decepcionar o leitor. Afinal, ela é especial.
Especial demais na vida de todos. Ela se excede no amor. Ela tem a noção exata do peso de ser especial na vida de alguém. Ser mais na vida dos outros por vezes é tão difícil!
Exupéry sempre teve razão na responsabilidade do “cativar”. Apenas esqueceu de dizer que quem cativa vive em cativeiro. Não tem a liberdade de errar. Eternamente cativa dos acertos.
Não era a preguiça que a mantinha na cama naquela manhã. Era a tristeza de pensar que poderia entristecer alguém com seu luto de alma. Luto sim, luto pela morte do casal.
Par ou ímpar?
Deu um. Ela solitária. Até ontem daria par.
Talvez um par imperfeito, mas o outro lado da cama não estaria vazio.
Como explicar que não houve ato cirúrgico capaz de remediar aquela relação?
Morreu! Se quiserem saber a causa que façam a autópsia e avisem, pois ela não sabe o que explicar. E afinal ela é tão especial que terá que enxugar as lágrimas dos outros que sofrerão por alguns dias. “C’est la vie” será o consolo dos passantes, e seguirão adiante.
Désolé!
A solidão é só tua bela, não se compartilha vazio!
Anabela só queria levantar, aquela cama, quando soubesse pedir perdão por sofrer tanto. Afinal, ser mãe, filha e amiga de todos implica manter a harmonia.
Harmonia é engolir sapos, né?
Ela só não sabe que dor alguma é maior que ela!
Não alise mais felpudos rabos. Na metade da vida saboreie apenas as uvas maduras.
Livro: PreTextos