Um Caso Insolúvel

Ângela tem pouco tempo antes que a família dela volta da festa de casamento.

Ela já planejou tudo com antecedência, meticulosamente.

Ela arromba a porta da frente, utilizando um pedaço de arame e um grampo de cabelo. Aprendera este truque com uma colega que tivera na oitava série. Assim a polícia pensará que a porta foi arrombada por um intruso.

Ela aumente o som da TV para que os vizinhos não ouçam nada. Ela quebra alguns vasos e quadros na sala. Pega o dvd, cds, a bolsa que a mãe deixou no guarda-roupa, a carteira com dinheiro do irmão, pega várias roupas, e enfia tudo numa sacola grande. Pensarão que foi um assalto. Ela sai de casa, caminha por um beco pouco utilizado pelas pessoas, entra numa mata, e enterra tudo em um buraco que ela fizera alguns dias atrás.

Ela volta às pressas pra casa. Não há um minuto a perder.

Ângela tira a blusa, pega a faca da cozinha com uma luva, e faz cortes em sua barriga, rosto e braços. Ela limpa a faca na pia do banheiro, os cortes não são muito profundos. Depois guarda a faca no mesmo lugar onde tirou.

Posteriormente, Ângela bate com muita força sua testa na mesa da sala, e com sua mão direita, utilizando ainda a luva, ela dá vários socos em seu rosto. Irão concluir que a casa foi arrombada, e que ela foi agredida violentamente.

Ângela chora muito, ela sabe que não pode mais agüentar viver dessa forma, esconder todas essas mágoas, e esse ódio, e essas angústias que há tantos anos a atormentam sem cessar. “É preciso acabar com tudo isso”, assim pensa Ângela.

Ela põe uma mordaça na boca, amarra cada um dos pés nas pernas da cadeira. Põe um saco plástico na cabeça, depois ela amarra em volta do pescoço o saco plástico com uma corda ainda utilizando as luvas. Ela retira as luvas, limpa-as com um lenço que está em seu bolso, e as joga bem longe, perto da janela aberta.

Ela já começa a sentir sua cabeça zonza, e falta de ar. Não mais um único minuto a se perder. Ângela amarra suas mãos por trás da cadeira, utilizando nós que aprendera em um site na internet. Seus pulmões querem ar, querem oxigênio, ela se contorce na cadeira, a TV está ligada no volume máximo, ela cai pra trás no chão, gemendo, se contorcendo toda, até que finalmente seu corpo pára de lutar, fica imóvel, e seus olhos permanecem abertos, e seu coração já não bate mais.

A polícia e a perícia investigaram o local do crime. Concluíram, como Ângela havia planejado, que bandidos entraram na casa por achar que não havia ninguém lá. Arrombaram a porta silenciosamente, surpreenderam Ângela saindo talvez do quarto, atacaram-na, a feriram com socos no rosto e na testa, torturam-na, fizeram cortes pelo seu corpo todo, e por fim a asfixiaram com um saco plástico. Depois roubaram o que havia de valor na casa. Sem digitais, sem testemunhas, sem pistas dos assassinos.

A família estava revoltada, como puderam fazer isso com uma garota tão linda, tão meiga, tão inteligente e talentosa como Ângela? Ninguém desconfiava durante vários anos das tantas coisas que se passavam na alma turbulenta de Ângela, ninguém parou pra saber realmente o que se transcorria no âmago de sua alma angustiada. A família exigia justiça por parte das autoridades policiais, do prefeito, de quem tivesse influência na cidade. Passaram-se meses, e nenhuma pista dos assassinos foi encontrada.

O caso foi arquivado, e classificado como latrocínio.

Ninguém jamais suspeitou que aquela garota de 25 anos de idade, mestrada em Direito, que tinha uma ótima profissão, tinha amigos, era sorridente, meiga, sensível, ninguém suspeitou, e jamais suspeitarão, que ela havia se suicidado.

E quais foram os motivos reais que a compeliram a tal ato? Só Ângela poderia responder.

Gilliard Alves Rodrigues