Os Sonhos de Judith

Existem coisas que marcam definitivamente nossas vidas.

A perda de minha mãe foi uma dessas situações.

Éramos extremamente ligadas e muito tempo se passou até que eu conseguisse “aceitar” o fato de que ela não mais estaria ali, como sempre, a me ouvir, rir comigo, contar-me de seus anseios e também de suas tristezas.

Após sua partida, evitamos mexer em seus pertences durante alguns meses, por saber o quanto isso aumentaria nosso sofrimento.

Entretanto, chegou o dia em que, juntos, meus irmãos e eu, tivemos de enfrentar essa dolorosa situação.

Brotavam lembranças por todos os lados.A cada pote, armário ou gaveta que se abria, elas se jogavam sobre nós: roupas usadas em ocasiões especiais que nos transportavam até aquela data; calçados, brincos, pulseiras, relógios e anéis que tinham, cada um, a sua história; panos bordados, toalhas e colchas tecidas em crochê, ponto a ponto, com dedicação e amor; agendas telefônicas onde existiam, principalmente, os nossos números, dado que sempre estávamos em contato.

Era quase um ritual, pois não havia uma única peça que não nos provocasse recordações.

As fotos ocuparam lugar de destaque neste dia.Situações de festa, aniversários, férias, jantares com parentes e amigos, encontros com seus irmãos.

Incrível o que ela conseguia, mesmo não estando ali, fisicamente. Sua presença era marcante em tudo e fazia com que cada um de nós rememorasse fatos, por vezes desconhecidos dos outros, como num conto coletivo onde não havia ordens a observar. Cada qual era livre para narrar, quer fossem passagens longas ou curtas, cômicas ou tristes.

Dentre as centenas de objetos por nós encontrados e comentados, destacou-se uma pequenina folha de papel, dobrada, que encontrei em uma das gavetas de seu criado-mudo.Ao ler o conteúdo, não segurei as lágrimas: eram os seus objetivos para 1995, que, muito provavelmente, deveriam ter sido escritos no primeiro dia deste ano.

Naquele instante eu a vi, tal acontecia em muitas de nossas conversas, unicamente como mulher, independente do papel de mãe e de esposa.

Seus desejos eram pessoais. Pequenos, sim, mas, nem por isso, menos importantes para ela, a ponto de tê-los colocado no papel e guardado numa gaveta ao lado de sua cama.

Talvez, se não houvesse partido naquele triste 26 de julho, dia dedicado a todas as avós, tivesse conseguido realizá-los, no todo, ou em parte.

Sempre me questiono se algum deles já teria se concretizado quando ela se foi, mas, infelizmente, essa pergunta permanece sem resposta...