O juiz e a professora nota 10

Toque de recolher com horários diferenciados para menores em Ilha Solteira, no interior de São Paulo, seguindo exemplo de Fernandópolis e Itapura pôs ordem na bagunça dos adolescentes na rua e acabou com o consumo de drogas na cidade. Antes fosse assim. Essa coisa de toque de recolher pode ou não funcionar e, cá entre nós, será função do Estado determinar até o que os pais podem ou não deixar os filhos fazer? Verdadeiramente, não tenho opinião clara e embasada sobre o assunto, a não ser que não sei o que dizer.... Faz um bom tempo, o prefeito ou o delegado (não lembro quem) de Fazenda Rio Grande, no Paraná, decretou um toque de recolher bem mais duro, incluindo adultos, e virou chacota nacional. No início do período Pinochet imperava o toque de recolher no Chile. Estive lá, na época, e não lembro de tê-lo respeitado. Nem eu, nem ninguém.

Pois é, mas está decretado! Agora, o que mais me chocou não foi tanto o ato em si, mas a justificativa do juiz autor dele: para o Brasil inteiro, leu um trecho de Eclesiastes, na Bíblia, como se isso fosse determinante e justificativa inquestionável. Primeiro, o livro foi escrito há milhares de anos, para a situação daquela época. Um espaço aí: sou leitor da Bíblia e fascinado por sua linguagem, e considero todos os livros mais, digamos, inspiracionais do Antigo Testamento deslumbrantes. Melhor dizer já para não vir outro espertozinho me incomodando sobre meu suposto ateísmo, como se a fé, mesmo esdrúxula, justificasse tudo. Continuando: segundo, o Brasil é um país laico e o magistrado é pago com dinheiro desse país, portanto, deve decidir com base na Lei Civil e não com base em qualquer preceito religioso.

Nesta semana, uma professora primária, de escola pública, cheia de empáfia, me disse: “Não dou 10; 10 só para Jesus Cristo”. Disse-o, claro, apontando para o céu - cá entre nós, por que esses cristãos não lêem o que Cristo disse e param de apontar para o céu quando falam dele? - Será possível que ainda há professoras que pensam assim? A nota 10 é reconhecimento de excelência de uma ação específica, uma prova, um trabalho, o desempenho num determinado período. Dizer que nenhum humano (é, professora, alunos são seres humanos) merece isso, invocando uma deturpação de fé religiosa é, no mínimo, assustador. Isso é educar para a frustração e para a culpa, que é função de pregador amargurado, não de mestre.

Talvez o juiz e a professora devessem refletir sobre outro trecho da Bíblia: “Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem”.