ELIS REGINA

- Quem é ?

- Elis Regina.

- Elis Regina ? Como ? Onde ela está ?

- Ali, ó ! No meio do Povo !

A aglomeração de curiosos era grande; estranhamente num lugar impróprio. Ao lado do Acaiaca. Até o índio, lá no alto do edifício, teve vontade de dar uma expiadela, e não deve tê-lo feito, por causa da rigidez com que foi pregado lá, onde fica mirando, eternamente, a Igreja de São José. Os ônibus e carros passavam devagar, com cuidado e igual curiosidade. Todos os passageiros se levantavam ou colocavam a cabeça para fora da janela, querendo enxergar algo entre a multidão, mas estava difícil. Alguém gritou da janela do coletivo:

- O que houve aí ?

- É a Elis Regina !

Enquanto me acotovelava entre os espectadores, vi uma senhora aproximar-se e também perguntar:

- O que é que está acontecendo aí ?

- É a Elis Regina.

- Essa mulher de novo ? Não é possível ! Alguém tem que tomar uma providência ! Ela vive dando espetáculo ! E a idosa se afastou resmungando. Mas eu me interessei mais ainda. Eu me perguntei em pensamento: como é que alguém pode não gostar de Elis Regina ? Tantos sucessos acompanhando, até hoje, a nossa vida, cantados naquela voz maravilhosa, carregada de emoção e sentimento. Elis é a nossa eterna “Jane Joplin”.

Afinal, como era possível Elis estar ali. Só se fosse nos assombrando; ou uma “cover”.

Quando consegui vencer a parede humana formada em torno daquela que deveria ser a nossa estrela da MPB, uma cena chocou-me ! Custei a acreditar. Havia uma mulher aparentando meia-idade, mal vestida, cabelos por pentear, deitada de olhos fechados no asfalto, encostada à calçada, com risco de ser atropelada por algum veículo.i Isso não acontecia, porque as pessoas em volta faziam um escudo humano. Quanta decepção ao perguntar por Elis Regina e alguém responder que era aquela mulher ali no chão !

Recobrei-me da desilusão e, instantaneamente, a cidadania cobrou-me providências para aquela criatura desamparada das ruas. Tentei conversar com a mulher, mas ela permanecia com os olhos fechados e em silêncio.

Tomei o telefone celular e liguei para o 193 que é o número do resgate dos Bombeiros. Atenderam e eu expliquei a situação urgente e grave que presenciava, instando o resgate a estar ali o mais depressa que pudesse, pois a mulher poderia estar ferida, passando mal e necessitar de cuidados médicos.

Qual não foi minha surpresa, quando o atendente me inquiriu:

- Por favor, senhor, essa senhora que está aí deitada no chão, pergunte o nome dela. Informei que ela não estava falando, mas que algumas pessoas responderam ser Elis Regina. O bombeiro então com absoluta sinceridade e determinação me disse:

- Olha senhor, nós conhecemos esta pessoa. Já fizemos a ela vários atendimentos e concluímos que ela quer apenas chamar atenção. Parece estar sofrendo de algum problema neurológico. Portanto, não vamos enviar a viatura. O senhor vá à Praça Sete, lá procure o posto policial e peça ajuda. Desculpe e parabéns pelo seu exemplo de cidadania. Eu, ainda boquiaberto com os bombeiros, pedi a algumas pessoas para cuidarem da Elis Regina, enquanto ia à praça.

Chegando ao posto policial, um Sargento, muito educado e solícito me atendeu. Ao saber do que se tratava, disse basicamente a mesma coisa, complementando que ela já havia sido encaminhada a postos de saúde e abrigos, sem que obtivesssem sucesso em tirá-la das ruas. Exortou-me a ir ao local junto com ele para ver o que acontecia. Não tive escolha e o acompanhei.

Quando nos aproximamos do local. Alguém disse em voz alta que eu trazia a polícia. Ouvindo isso, Elis Regina levantou-se subitamente batendo em retirada, correndo até desaparecer entre a multidão que tomava as calçadas naquele horário de “rush”.

Retomei o caminho de casa, tentando adivinhar que tipo de ser humano é a Elis Regina. Talvez um tipo, que por trás da sua loucura, busca a atenção do público e fama pelas ruas de Belo Horizonte. E, pensando bem, onde mais encontraria um público tão grande de uma só vez, sem patrocínio, custos de organização e merchandizing ?

Concluí o pensamento já recostado em meu travesseiro: o sucesso, a fama, a prosperidade são, quase sempre inacessíveis e efêmeros. Então, cada um tenta alcançá-los como pode !.