Adãozinho (III) - os CDs emprestados do Pileque...

Adãozinho (III) - os CDs emprestados do Pileque...

Depois das carraspanas (que, costumavam terminar com um pernoite no anexo de portas vazadas da delegacia de polícia), Adãozinho costumava sumir por um mês ou mais.

Mas, sempre voltava. Vindo da roça, cruzava a cidade, carrancudo e caladão, indo direto ao Bar do Pileque, na Vila Mercedes (de onde só saia bêbado, para incomodar a cidade toda...). Ia entrando e, já pedindo uma talagada da “branquinha”. A essa, seguiam outras, na bica...

Logo, ele ficava entusiasmado e, se metia a cantar, num "enrolation" inacreditável (pense no cara cantando a sofrível "Tell me, once, again" nesse esquema...). Só parava pra dizer, na maior cara de pau, que queria ser cantor, gravar um disco e, imaginem, cantar no programa do Raul Gil.

Os jogadores de sinuca ficavam putos que frequentavam o boteco, mas ele ficava por ali, pousando que nem mosca, nas mesas de sinuca, nas mesinhas do lado ou, mesmo, no balcão, de onde, não demorava, Pileque o punha pra correr, sob a ameaça de um taco.

Pileque tinha um som no bar e, se orgulhava da sua coleção de discos e CDs de música sertaneja.

Um dia, o bar estava vazio e, Adão chegou para beber, mais cedo. Pileque estava num daqueles dias inspirados, de ouvir Milionário e José Rico sem parar.

Certo dia, Adãozinho estava lá, dando trabalho, quando teve que sair do bar, pra resolver um problema qualquer. Disse a ele: "Adão, vou sair um pouquinho. Dê uma olhada pra mim, aí. Mas, olha lá, hein?" Adãozinho se dispôs prontamente a vigiar o boteco.

Quando o dono voltou, não estavam no bar nem o bebinho enjoado, nem os seus discos, inclusive o favorito. O homem ficou possesso, mas fazer o quê?, havia confiado e, "dançado".

Um mês depois, Pileque estava varrendo a calçada do bar pela tarde, quando viu Adãozinho subindo a rua de bicicleta (provavelmente daquelas, que gostava pegava emprestado sem avisar ao dono) de cabeça baixa e ar de desconfiado.

Agarrou a vassoura e partir pra cima dele, aos gritos: "Adão, cadê meus Cds? Cadê o meu CD do Zé Rico Adão?..."

Adãozinho fechou a cara, levantou a mão e, retrucou, sem interromper a marcha da bicicleta: "Pode deixar, Pileque, pode deixar; quando eu gravar meu disco, o primeiro vai ser seu!..." E, quase voando de tanto tanto pedalar, foi procurar as branquinhas verpertinas bem longe dali...