GPS

Desta vez vou para Norte pelo interior com o meu mapa mental de estradas mais associado ao Sol que ao solo ou seja viajo com o sentido do Norte. Em pleno dia não sei onde está a estrela que lá mora, mas pelo Sol presumo.

Claro que faço um percurso imperfeito e por vezes sinto-me a perder esse Norte oculto.

Assim aconteceu para lá de Abrantes. Aí à beira da estrada num café-taberna com carrinhas de trabalho estacionadas em frente, achei um bom local de informação, e era. Obtive tanta de todoso e cada um dos clientes que saí bloqueado e deixei os clientes envolvidos em acesa discussão acerca dos melhores caminhos a oferecer-me.

Ai Portugal, tão pequenino e tantos e bons caminhos o povo tem para oferecer ao viajante forasteiro e leva-lo ao colo até, se for preciso, com o óbice de todos quererem pegar ao mesmo tempo na “criança”. Sinto orgulho por estas gente assim solidária, mas com uma ponta de dúvida cartesiana pensando na eficiência fria de povos mais nórdicos de quem invejamos civilização, progresso e educação.

A nossa solicitude atrapalha, embaraça, é ineficaz, prejudica destinos compromissos e objectivos, mas sinto mau grado meu pertença a esta lusa humanidade e um poético enlevo por este carinho ineficaz mas doce que agradeço de coração sincero e desarmado.

Fui delicado, grato, mas senti-me impotente para seguir os dispares conselhos. Entrei em contradição comigo próprio e receei que logo ali no arranque para a direita alguém me gritasse: - Eu não lhe disse que era para a esquerda!

Fui salvo do impasse por um cliente que me pareceu motorista de mais longo curso e alcance do que os tractoristas e condutores de carrinhas e furgons que tomavam o café e o bagaço, antes de pegar ao trabalho nas redondezas.

O cliente discreto ouviu todos os conselheiros mantêndo-se em silêncio, mas saiu comigo chamou-me à parte e disse: O Senhor vai ignorar tudo o que lhe disseram, retoma a estrada, percorre dois quilómetros, volta à esquerda junto a uma casa amarela, a única que existe no percurso e com mais um quilómetro está numa estrada larga de asfalto novo. É sempre a andar até Castelo Branco. E num aparte: Eles não percebem nada disto, só andam nestes quellhas esburacadas com mais curvas do que faz a cobra. Acham-as boas e querem impíngi-las a pessoas de outros horizontes.

O sujeito de vistas largas não quis deixar mal os conterrâneos, nem a mim que viu portador de sérias dúvidas e desnorte.

Estes episódios saborosos estão sériamente ameaçados pelo GPS.

Por isso vou preferir enquanto houver alguém na minha estrada parar para dizer: - Boa tarde, por favor sabe-me indicar o caminho para Santiago?

Ainda que me mandem para o labirinto de Creta ou pró Inferno.

Arbogue
Enviado por Arbogue em 07/05/2009
Código do texto: T1581467
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