Barba por fazer - uma crônica

Todo mundo na faculdade sabia de minha fascinação por barbas. Numa das muitas festas que eram organizadas pela turma, ganhei o Troféu Barbicha, um tufo de fios de lã avermelhada, ajeitados num suporte de forma que se pudesse amarrar e enfeitar com uma vasta barba ruiva o rosto de qualquer um. Tive de ser a primeira a usar o artefato, mas por sorte ninguém ali estava munido de máquina fotográfica.

Meus namorados não tinham barba, e, por mais que eu pedisse, nenhum foi capaz de satisfazer esse meu pequeno desejo. Houve um, sim, que me disse, “estou deixando o cavanhaque crescer...”. E eu, ansiosa por ver aquilo, tive azar - o relacionamento acabou depois de apenas meio centímetro.

Mais tarde, já casada, nem mesmo meu marido: ele nunca, jamais deixou a barba mais de dois dias sem fazer. E, se por acaso esquecia ou não podia, vinha com essa:

- Desculpa, não fiz a barba...

- Não faz mal, eu respondia, com um brilho estranho nos olhos. - Pode deixar, eu gosto...

Mas nem o brilho adiantava. Assim que era possível, ia para a frente do espelho e, rrrrrrrrr, manuseava com destreza o barbeador e acabava com a promessa ainda incipiente de meu sonho de consumo.

Parece que deixar barba dá um certo trabalho. Homens não gostam muito disso. Preferem o incômodo cotidiano de escanhoar o rosto a ter que cuidar de pelos naturalmente adquiridos por intermédio de sua tão venerada testosterona. E, quando tive um filho varão, jamais imaginei que um dia, assim, na maior cara de pau, ao me ver acariciando orgulhosa e embevecida sua jovem barba por fazer, ele me dissesse:

- É mesmo, mãe, preciso fazer a barba...

Desisti.

Porém outro dia, vasculhando minha imagem no espelho, levei um susto: um pelo preto, gritantemente invasivo na sua cor e espessura, apareceu-me no lado esquerdo do queixo. Mais que depressa, peguei uma pinça e, zás! Arranquei-o, raiz e tudo.

Ainda gosto de barba, mas que fique bem claro: apenas e tão somente em rostos masculinos.

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EC - Exercício Criativo

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