ZÉ ROBALO E ANITA

A BARBA POR FAZER

Os pescadores vinham do alto mar satisfeitos, a barca pesando de peixes. Pensavam no lucro, no bom almoço com cheiro de dendê e de coco. A mulher apetitosa num vestido transparente de chita ruim, presente comprado com o dinheiro da última pescaria. As crianças correndo na areia, catando conchinhas. A rede entre os coqueiros e o descanso a tarde inteira. À noite, a brincadeira na cama quebrada, mas só depois, quando as crianças dormissem.

Veio uma onda forte e jogou a velha barca para um lado e para o outro. Ficaram desesperados pensando na volta dos peixes ao mar. Para que o mar iria querer peixes mortos? A onda quebrou lá longe. O mar estava quieto. O azul doía de beleza, misturado com o ouro do sol a pino. A fome era tanta que pensaram em comer peixes crus, chegaram até a morder um deles. O sangue na boca, o juízo fugindo. Que fome e sede no meio de tanto peixe e de tanta água.

Avistaram a faixa acinzentada do litoral. O barquinho navegando pesado. Esqueceram da fome, começaram a cantar. Pensavam no arroz branquinho e empapado, na farinha torrada, na fumacinha do caldo do peixe derramado sobre o prato abençoado.

Zé Robalo era o mais experiente dos pescadores ali, o comandante da viagem. Um homem forte, bonito por debaixo do sal que lhe tostava as espáduas. Como seria bom apertar com força e saudade o peito macio de Anita, beijar os três filhos. Era só no que pensava, depois do almoço e do cochilo na rede.

Zé viu um delfim fazendo piruetas. Sorriu pensando no caçula, Chiquinho. Era a cara dele. Zenita era toda a mãe, faceira, brincalhona e adorava tratar os peixes. Viu os olhos verdes de Anita brilhando nas espumas do oceano. Viu os cabelos de Iemanjá desenrolando-se pelo corpo enxuto da mulher. E o barco pesando de peixes. Veio outra onda, dessa vez, menor, calma, quietinha. Desmanchou-se a onda levando para a beira da praia os olhos de Anita.

Faltava pouco, já se avistava a casinha coberta com palhas de coqueiros. Zé deu um mergulho. Queria chegar com gosto de mar para abraçar a mulher, correr com os filhos. Agora o barco ajudava. Via a porta e as duas janelinhas abertas, o vento fazendo dançar as palhas dos coqueiros. Zé estranhou não avistar a família reunida na frente da casa. Devem estar na cozinha, pensou para não ficar preocupado.

Anita! Chiquinho! Zenita! Saiam fora! Trouxe muitos peixes.

Desceu do barco repetindo as mesmas palavras sem receber resposta.

Entrou na casa e viu que ninguém estava lá

A casa mais próxima, da comadre Zefinha, ficava a um quilômetro.

Procurou nos quartinhos, nada.

Sobre a mesa de tocos de coqueiros havia um bilhete num papel meio amassado.

Dizia o bilhete:

Fui embora com Chico Peba, nosso compadre. Nóis se ama. Deixei a navalha na pia porque sei que cê vai querer fazer a barba. Adeus. Anita.

O fio de sangue correu até o cesto cheio de robalos.