AUTISMO: Uma história de amor

AUTISMO: Uma história de amor

Quando fiquei grávida pela segunda vez, combinamos eu e o Miro meu marido, que se o bebê fosse um menino, adotaríamos uma menina.
Bom, nasceu outro menino e ficou certo que teríamos uma filha adotiva.
Os anos passaram-se e quase esquecemos nosso compromisso. Quando nosso primogênito completou oito anos comecei a sonhar sempre a mesma coisa, não o mesmo sonho, mas o mesmo tipo de sonho: alguém roubara meu filho! E sofria a perda terrivelmente!
Uma das vezes no sonho, procurava entre meninos de rua e os levantava pra olhar o rosto na vâ esperança de reconhecê-lo. Outra vez voava ,sim voava literalmente por entre as casas numa cidade e ruas que não conhecia, entrei numa casa onde a mãe dormia e três meninas brincavam em cima da cama, porque havia água dentro da casa. Sonhei tantas vezes durante anos, que não fosse o sofrimento terrível porque passava durante o sono, teria acostumado. Mas não, acordava sempre sofrida e perturbada!
Até que uma tarde, em que tomava um café com minha mãe e minha irmã mais nova, Debora, o assunto da adoção voltou, doze anos depois. Débora fazia estágio de Psicologia e visitando um orfanato, conheceu uma menina recém nascida. Estava pra adoção e era ruivinha como eu. Muito entusiasmada fui conhecer a menina, já embuída do instinto maternal. Mas como não estávamos inscritos no Forum como possíveis pais adotivos, não conseguimos adotar aquela menina ruiva. Mas fizemos todo o encaminhamento para adotar nossa pretendida menina. Descobrimos um pouco decepcionados que estávamos numa fila de doze famílias!
Esperamos durante dois anos. Sem que deixasse de sonhar minha procura por um filho roubado!
Um dia, estávamos num vilarejo á beira da Lagoa Mirim, veraneando numa bela manhã ensolarada quando recebi um telefonema pedindo que voltasse imadiatamente porque estava sendo chamada no Fórum: MINHA FILHA!
Corri, voltei de moto, quase voando e pelo caminho, um nome gritava dentro de mim: Laura! É Laura!
Só que nem havíamos pensado no nome, até porque desta vez o Miro escolheria o nome. Quem escolheu dos meninos fui eu.
Mas o nome pipocava todo o tempo em mim!
Ás duas da tarde, estávamos com ela nos braços. Era linda, perfeita!
O problema era dizer pro Miro que o nome era Laura. Não falei nada, quando chegamos com ela na casa de minha mãe, já toda a família nos esperava todos rindo e falando ao mesmo tempo. Laura nem aí, dormindo suavemente. Imediatamente foi providenciado um banho e roupas. Ela pronta, vestida e perfumada de sabonete Pompom, alguém lembra: E o nome? Qual é? Apenas disse aparentando tranquilidade: O nome o Miro escolhe.
Ele pensou um pouco e falou que não havia pensado em nenhum nome.
Aí como quem não quer nada falei mansamente: Eu gosto de Laura.
Ele pensou um pouco e disse que Laura era ideal. Foi uma gritaria geral. Todos aprovaram o nome.
Voltei a sonhar uma única vez e no sonho, encontrei meu filho!
Dois anos depois, numa manhã de outono, estávamos frente ao pediatra da Laura. Já sabíamos que havia algo errado. Depois de ouvir-nos e de examiná-la atentamente ele sentou e olhando-nos nos olhos, falou com a franqueza peculiar de médico: A Laura apresenta traços de autismo.
Ficamos ali, ouvindo os comentários seguintes, procurando entender o que estava acontecendo. O médico indicou-nos um neurologista que ele entendia ser o melhor, no momento.
Não choramos, porque não sabíamos exatamente o que era autismo. Havia assistido alguns filmes com crianças autistas, apenas. No curso de Psicopedagogia que havia concluído há menos de um ano, o assunto sequer foi abordado!
Ficamos assustados, porém.
A primeira coisa que fiz, foi me informar sobre o assunto. Li tudo que pude encontrar: enciclopédias, textos, e livros contando histórias, muitos livros. E tudo que lia só confirmava o diagnóstico do médico. Eu reconhecia a Laura em cada história.
Naquele período, surgiu não por acaso, acredito que nada nesta vida é por acaso, um Fórum sobre o Autismo, coordenado pela escola de autistas da minha cidade, escola esta que eu sequer conhecia. Claro que participei. Quieta, no fundo da sala, ouvia os palestrantes, as perguntas ansiosas dos outros pais, o depoimento de alguns. Mas o médico palestrante fez minhas lágrimas desabarem de vez, quando começou sua fala dizendo que pouco se sabia sobre o assunto e que a única certeza é que não havia cura. O pavor porque passei naqueles momentos não tem como descrever! Ouvir um médico dedicado ao estudo do autismo dizer que nada sabe sobre o assunto era no mínimo desesperador!
O neurologista só poderia atender a Laura dali a três meses. Enquanto isto, fiquei estudando, lendo, observando a Laura, ensinando-a e anotando tudo sobre ela. No final dos três meses, havia um relatório completo sobre ela. Nesse ínterim, a Laura que ocasionalmente mordia ou arranhava, passou a arranhar e morder seguidamente! Era seu pedido de ajuda! Eu, era a mais arranhada e roxa de todos. As vezes tinha que disfarçar os arranhões e roxôes para evitar perguntas curiosas das pessoas. E também porque se alguém perguntasse eu desabaria num choro, sempre contido a custo.
Passou a jogar tudo no chão: vasos com flores, porta-retratos, louças, tudo que estivesse ao alcance.
Retirei tudo que pudesse machucá-la ou quebrar. Bom, a louça quebrou toda: copos, pratos, pratinhos, xícaras, tudo! Repunha tudo á medida que ia faltando. Aprendemos a conviver com isto e tomávamos cuidado para não deixar nada por perto.
O neurologista confirmou: Laura, nossa linda e adorada filha era autista sim. Não tão grave, nem tão leve.
Pensei nos sonhos que tínhamos com a Laura, as gracinhas que ela diria, as histórias que contaria, as conquistas que ela faria! Então chorei! Chorei muito. Por mim, por ela, por nós todos! Não havia planos para o futuro. Não os que traçáramos.
Laura fez uma série de exames, todos sem exceção, deram resultados normais. O cérebro dela, tão normal quanto o meu, o teu.
No quarto da Laura havia bonecas, ursinhos e outros brinquedos que ficavam sempre em ordem, lindamente arrumados, sempre no mesmo lugar, jamais eram tocados. O quarto estava sempre em ordem apesar da dona ter apenas dois anos de idade!
Abrir portas e gavetas, tampas de vidros, nunca foi mistério pra Laura. Os armários passaram a estar sempre com as portas amarradas. As roupas das gavetas precisavam ser dobradas diversas vezes por dia, pois a Laura as tirava.
Ensinei-a a apagar e acender a luz, primeiro do quarto dela, depois da sala e por último, do banheiro.
Também aprendeu a pegar a toalhinha para escovar os dentes e depois guardar no mesmo lugar.
Comer com a própria mão foi conquistado pela Laura com uma pequena greve. Como ela derrubava o prato no chão com comida e tudo, a babá não deixava ela comer sozinha. Cheguei na cozinha no exato momento em que Elaine, esse era o nome da babá,tentava enfiar a colher na boca da Laura, que virava o rosto de um lado para o outro, com a boca bem apertada, decidida a ganhar aquela parada!
Pedi que desse a colher e deixasse que comesse sozinha. Derramou um pouco, mas conseguiu.
Quando Laura chegou do orfanato em meus braços, dormia tranquilamente. Pensei: " Tu não sabes a mudança que tua vida está sofrendo neste momento." Com certeza se ela falasse, diria: " Nem tu!"
Ela chegou! E chegou para mudar. A começar por nossas emoções. Ainda no orfanato, quando a seguramos, naquele momento ela já fazia parte de nós, tomou conta dos nossos corações. Entrou sem a menor cerimônia, adonou-se e nem pediu licença.
A Laura passou a reinar em nossos corações e mandar em nossas emoções.
Estava enganada, quando chorei pensando que não teríamos conquistas a comemorar. Ao contrário, ela é capaz de nos fazer rir com suas gracinhas, nos emociona com seus carinhos e nos leva ás lágrimas quando pronuncia uma palavra seja qual for!
Tudo, tudo precisa ser explicado pra Laura, cada passeio, onde vamos, o que vamos fazer.
Difícil explicar quem é a Laura, difícil entendê-la!
Hoje com oito anos, raramente morde ou belisca, pois sabe muito bem o que isto significa no outro!
Não tenho dúvidas em dizer que tenho uma filha autista, pois sei que se enfrentarmos com naturalidade ela sofrerá menor grau de discriminação ou preconceito.
Desde os cinco anos, Laura desenvolve a puberdade. Não tem nada a ver com autismo, acontece com muitas meninas e nem é raro. Aconteceu com a Laura e lutamos contra a vinda da menstruação tão precocemente!
Ela ainda não fala, mas entende tudo. A dificuldade, na verdade é nossa, em entendê-la! Pra ela a comunicação é uma via de mão única: só vai, não volta!
Esta é a história da Laura, uma menina diferente, enfrentando um mundo estranho e despreparado pra ela. Tentamos ajudá-la da melhor forma possível embora não da forma ideal! Nossa forma de ajudá-la é tentar " matar um leão de cada vez"!
Quanto ao sonho, ainda não tenho uma explicação razoável sequer, apenas relaciono com a Laura, porque sua chegada finalizou aquela série de sonhos estranhos. E só muito tempo depois foi que percebi isto!
Não pensem na Laura com pena. Ela é uma criança muito feliz. Ela tem o que muitas crianças não tem da sua família biológica: Carinho, Respeito e o maior Amor do Mundo!

Lúbia Aguiar
Lu Ar
Enviado por Lu Ar em 09/05/2009
Reeditado em 27/10/2009
Código do texto: T1584759
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