Sonhar Não Custa Nada

Na cidade em que vivemos certas ruas estão irremediavelmente bloqueadas ao acesso das pessoas. Pelo movimento armado, que diz quem pode ou não trafegar pelo logradouro, de carro ou a pé. Normalmente são as chamadas ruas de tráfego local. As vias onde trafegam ônibus, ou outros veículos sobre rodas, de movimento intenso, onde pontos de comércio são facilmente encontráveis – as chamadas vias de penetração, – nessas a presença dos munícipes, de carro ou não, ainda é permitida.

Não conheço nenhum morro cujo acesso seja concedido a qualquer um. Apenas os moradores locais têm o direito de subir ou descer. Desnecessário dizer que isso não era assim. Lembro-me de que há muitos anos – não vou dizer quantos pra você não calcular a idade que tenho – minha mãe levou-me ao Barro Vermelho, no Lins de Vasconcelos, lá perto de casa, para procurarmos pela lavadeira que não tinha trazido a nossa roupa. Hoje se você quiser subir o morro pra visitar um amigo, ele terá que obter a permissão pra você. Se você quiser levar a namorada pra casa de manhã, após uma noitada de samba e de amor num motel, ela igualmente terá que conseguir a autorização.

Em bairros como a Lapa, revitalizada agora pela presença marcante de inúmeras casas de show, bares, restaurantes, etc., não é preciso salvo conduto. Tratam-se de locais seguros. Em conhecidas casas de espetáculos, como o Olimpo, em Vicente de Carvalho, e sedes de Escolas de Samba na periferia ou próximas ao centro, como a Mangueira, também vamos experimentar uma relativa segurança. O problema é chegar até lá. Dependendo, sobretudo, dos horários dos nossos deslocamentos, de ida ou de volta. O movimento armado em certas regiões assume o comando à noite.

Seria inocência, ou tentativa de se tapar o sol com a peneira, não admitir a ação do movimento armado no bloqueio de muitas de nossas vias. Ação que pode contar, direta ou indiretamente, dependendo dos interesses implícitos, com o movimento armado oficial. Têm um traço em comum – são armados. O cidadão é que não tem esse direito. O que também não faria muito sentido – um cidadão, ainda que armado, versus uns poucos representantes do movimento armado.

Teríamos então duas alternativas: desarmar o movimento armado paralelo, permitindo que o oficial atuasse estritamente dentro da ordem e que não estivesse comprometido com o primeiro; ou torcer para que os movimentos armados alterassem o escopo de suas ações. Passando a atuar, por exemplo:

1. no estado de conservação de nossas vias;

2. na ampliação das condições de esgotamento sanitário e de drenagem dos logradouros;

3. no ordenamento do uso do solo, retirando-lhe a característica predatória e favorecendo, com isso, o acréscimo no oferecimento de moradias;

4. na ampliação do número de postos de saúde de atendimento emergenciais;

5. na ampliação de número de bibliotecas públicas com acesso livre ao cidadão comum;

6. na disseminação de espaços culturais pelos bairros, favorecendo quaisquer tipos de atividades artísticas; e, sobretudo

7. no favorecimento do transporte sobre trilhos, reservando ao modal rodoviário a sua posição essencial de transporte secundário.

Isso porque as autoridades de quem seria lícito esperar atuações dessa natureza não se mostram competentes ou capazes para tanto. Pelo contrário: algo recentemente foi desativada a Estrada de Ferro Leopoldina, frustrando a opção que tinham inúmeros moradores de importantes bairros da Baixada Fluminense de poderem alcançar com mais facilidade seus lares após um dia de exaustivo trabalho na cidade.

Seria utopia? Aparentemente, sim. Mas penso que, na atual situação em que nos encontramos, só nos resta apelar para o primeiro verso de um dos sambas mais conhecidos de uma de nossas Escolas: “sonhar não custa nada...”.

Rio, 09/05/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 10/05/2009
Reeditado em 10/05/2009
Código do texto: T1585965
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