UM PIANO A 4 MÃOS

UM PIANO A 4 MÃOS

Somos irmãos gêmeos, nascidos em 1952... "cara de um, focinho do outro", como se dizia antigamente. Nossos tempos de criança foram cheios de imprevistos e surpresas, criados que fomos em casas alheias (ou em colégios), quase sempre separados.

Com 6 ou 7 anos de idade fomos embarcados, num ônibus da Viaçao Nossa Senhora da Penha, para o Paraná, para os primeiros estudos.

Quando retornei ao Rio, em meados de 1967 (ou no início de 1968) meu irmão Sérgio/RENATO já estava há um bom tempo lá, vivendo de favor na casa das famílias onde minha mãe se empregava, pois o barraco no Morro dos Cabritos, -- hoje rua Euclides da Rocha, em Copacabana -- a enchente de 1966 levara.

Cheguei ao prédio de meu irmão num táxi, luxo que jamais imaginara ter na minha jovem vida. 'Limparam meu bolso", pois a viagem custou $ 120 mil "paus" ou "cabrais", qualquer que fosse a moeda da época. Achei barato...

O prédio ficava bem em frente à estação do bondinho do Pão de Açucar, na Urca, o primeiro da avenida, arquitetura antiga com uma varandinha ridícula na frente de cada apartamento.

Cheguei lá pelas 10h da manhã, com um grande saco azul claro como "mala", um verdadeiro retirante do Paraná, de sapato rôto apertado nos cantos.

Diz meu irmão Renato que o apartamento ficava no último andar, com aqueles elevadores antigos em que a grade interna era fechada pelo passageiro, só assim o troço andava.

Quando cheguei não havia nenhum dos moradores em casa, só nossa mãe e o mano (que tinha me chamado pro Rio sem que ela soubesse!) e um "lulu" do tipo francês, branco e peludo.

Dona Maria Apolônia apavorou-se... iria para a rua se a patroa descobrisse. Tomou então uma decisão drástica: o Celso/CINCINATO ficaria escondido no "quarto" de empregada, minúsculo cubículo sem janelas, até ela tomar coragem para revelar o problema. Assim, quando a patroa ía até a cozinha (que ficava ao lado) eu me escondia dentro do guarda-roupa, às vezes por uma hora ou mais, se estavam a lavar roupa na área de serviço.

O "lulu" passou dia e meio "me dedurando", latindo sem parar (no 1º dia) na porta do quarto ou, pior, na frente do armário mas ninguém desconfiou de nada. Meu irmão disfarçava como podia para "Rubinho", filho caçula do casal, com 8 anos.

Havia também a Maria Lúcia, morena do tipo "garota de Ipanema", da minha idade suponho e mais o "seu" Rubens, pai deles, aviador precocemente aposentado e que quase não parava em casa.

O "cabeça de casal" era uma senhora magrinha e baixa, engenharia ou arquiteta, cujo nome não me lembro, talvez fosse Lúcia. Foi ela que descobriu os gêmeos, já no 5º ou 6º dia, porque passávamos a manhã toda rodando pela casa, quando os filhos estavam na escola.

No resto do dia a gente se revezava no quarto (ou no armário) se o outro precisava ir ao banheiro, à padaria ou para passear com o lulu na praça. Quem almoçava bem na mesa da cozinha, jantava migalhas levadas pela mãe às escondidas para o quarto dela.

Mas como eu tinha tido aulas de piano e harmonium (espécie de monstro a pedal) no colégio de padres no Parná, o belo modêlo tipo apartamento no centro da sala foi um convite irresistível. Vai daí, enquanto um ficava no corredor externo vigiando, de ôlho no ponteiro metálico do elevador, o outro massacrava as pobres teclas do piano, que gemia e guinchva qual animal ferido.

Se o elevador passasse do 8º andar (eram 11 pavimentos, eu acho) isto era um sinal de perigo e um de nós corrria para avisar o outro.

Infelizmente,com o tempo ficamos descuidados e, numa bela manhã dona Lúcia, tendo esquecido documentos em casa, abre a porta da sala e dá de cara com dois Sérgios, a "duplicata" lívida de medo e ambos mudos de vergonha, enquanto o piano suspirava de alívio e prazer.

fim, tudo se esclareceu, dona Lúcia reclamou por minha mãe ter nos sacrificado daquela forma e eu acabei tão amigo do "Rubinho" quanto o meu irmão Renato. O acompanhava para ver os treinos de judô na academia do canto da paraça e as "peladas" dos militares do Conjunto ao lado.

"NATO" AZEVEDO