VAGABUNDOS

Estava de papo furado com um senhor que acabara de conhecer lá no Parimá. Muito falante, jogando conversa para todos os cantos, cerca Lourenço daqui e dali, até que ele me disse nunca ter trabalhado na vida. Falou e calou-se por um instante, como se me concedesse um tempo para buscar nos meus pensamentos as mais incríveis considerações ou soluções sobre o que acabara de ouvir.

E meu cérebro, com seus circuitos bem descongestionados, em plena gandaia, lançou uma saraivada de tentativas para entender o que aquele senhor um pouco mais novo que eu pôde ter feito para estar ali agora, aparentemente numa situação econômica confortável, comendo, bebendo sem maiores preocupações com o futuro. Pareceu-me muito seguro disto.

Não tinha nenhuma pinta de um bicheiro, traficante ou coisa semelhante, desses que arranjam dinheiro fácil, acumulam grandes riquezas e mesmo se assim fosse, pô! Esses caras também trabalham. Nada cai do céu ou vem do inferno para eles.

Ah! Herdou uma grande fortuna! Não havia a mínima chance de ser a alternativa mais lógica. Nem da parte da sua família, nem da esposa, pois não era do tipo malandrão, boa pinta para causar frisson nas mulheres ricas. Apesar de que nem sempre há coerência nisso, não me pareceu ser esta a resposta procurada.

Achou ouro! Isso! Serra Pelada... Não dá! Para achar ouro é preciso trabalhar e duro. Assim, de relance, não seria o tipo de trabalhador contumaz, nem tão pouco um malandro assumido. Assemelhava-se a uma pessoa normal, como qualquer outra. E, além do mais, disse nunca ter trabalhado. Cacete!

Então completou:

- Tudo o que eu fiz na vida foi porque gostei de fazer. E quando a gente faz o que gosta não se cansa; não é trabalho: é prazer!

Me arrebentou! Concordei de cara e com isto muitas coisas passaram a circular e congestionar meus neurônios com maior velocidade. Se uma pessoa trabalha muito e gosta daquilo que faz, não está trabalhando, está num orgasmo sem fim, jogando felicidade pro alto. Vidão! Benza Deus!

Então eu fiquei imaginando: os paulistas estão com tudo. Sortudos! Só trabalham, segundo eles mesmos afirmam, não negam fogo de jeito nenhum e se assim agem é porque gostam e vivendo na maior glória, eternamente no paraíso. Não deve haver povo mais realizado, feliz e por isso São Paulo é o mais rico, mais importante, mais isso, mais aquilo. Que inveja!

Mesmo aqueles que passam a metade da noite de volta para casa, mal enchem a marmita e retornam sem tempo até para dormir. Mandam brasa na construção civil, volante de ônibus, gritando o dia todo na 25 para vender produtos do Paraguai, correndo do rapa ou ralando pra burro em qualquer atividade, estão na maior paz, lançando felicidade pelo ladrão e dando bananas pro resto do mundo.

Por outro lado os cariocas, coitados, têm uma sina que Deus os livre. Viver num lugar daquele sob sol escaldante, calor dos infernos, areia da praia quente, queimando os pés e agarrando no corpo das pessoas; arrastão a todo instante, suor à beça escorrendo pela fronte ou descendo pelo rego da bunda e fazendo arder uma hemorroida sem-vergonha e deslavada com a cara pra fora.

Mundão de mar e não servir para nada. Se tomam banho, saem de lá salgados e, em casa, têm de se lavar novamente. Marzão poluído, local pra lá de bom para piquenique e rave de bactérias de todas as espécies imagináveis. Ventinho fresco, constante e impertinente lotando o saco de quem deseja ler tranquilamente um jornal, despenteando os cabelos, ressecando a pele, obrigando-os a se lambuzarem de protetor solar, aquele troço horrível. Todos: melados ou cancerosos. Sufoco!

Desidratados, os infelizes são obrigados a beber aquela horrível água de coco ou aquele chopinho gelado, com colarinho mixuruca expondo-se ao risco de inflamação na garganta, gripes dos vários calibres ou cirrose em curto prazo. Quando não aparece sinusite! Que vida! Parece que Deus tem bronca e nem um pouquinho de piedade daquele povinho.

Puta que pariu! Se isto fosse realidade, não passasse de mais uma das traquinagens ou vacilos do meu cérebro esclerosado, seria o prenúncio do fim dos tempos! Dali a pouco o som das trombetas e o céu cheinho de querubins gorduchinhos – gracinhas! - anunciando o juízo final. E o Arcanjo, aquele anjo enfezado e azedo que expulsou com espada de fogo Adão e Eva do Paraíso só porque eles descobriram o melhor de lá, iria postar-se com cara de tenente da Gestapo e dar a sentença.

Com certeza a decisão seria até bem fácil. A paulistada, vivendo até hoje na maior farra, zoando a vida minuto a minuto, cambada de malandros, ganharia como recompensa umas calorentas e escaldantes férias nos quintos dos infernos e os cariocas – coitados! – pelos sofrimentos acumulados de longa data, amargando uma vida de cão sem tirar nem botar, penúria ao extremo, teriam, com certeza, um happy end colossal nos jardins do Éden, porque ninguém é de ferro.

Que coisa! O que houve aí em cima hoje, heim, ô massa cinzenta? Ou tá de porre ou muito revoltada com os xiitas do PT. Só pode ser isso.

Dbadini
Enviado por Dbadini em 14/05/2009
Código do texto: T1594106