POR UMA GOTA DE CIDADANIA

Lisboa, 11 de Maio de 2009, 5h da manhã, Consulado Brasileiro em Portugal

Enquanto olhava os rostos desconhecidos no meio daquela pequena multidão procurei o que não encontrei há tempos: qualquer expressão de bondade ou um mínimo de esperança. O que vi são olhos famintos por uma justiça que transcende a cegueira, que já não luta nem possui algum tipo de causa. Olhos que procuravam respostas para qualquer que fosse a pergunta. Talvez a paz por uma gota de cidadania. Os rostos que vi na fila da madrugada confundiram-se com a minha paciência, com a minha solidão. Já não há verdade nos rostos da multidão.

Nas calçadas protegidas por marquises é que encontrei o povo que se perdeu na lembrança do seu país. Mero devaneio de poeta, palavra concreta, porta fechada, lei dos homens. Os rostos que vi têm a dor dos pés que já nem sentem o próprio corpo. O peso agora é dos papéis que nunca são suficientes. O joelho que já não dobra. Força e obra. Frio e oração. No coração de um povo que não tem fronteiras flui o sangue derradeiro de simples mortais. Pessoas de nomes iguais e mães diferentes. As costas carregadas de promessas sem velas acesas.

As madrugadas parecem mais longas do que já são. Os relógios perdem os ponteiros. Debaixo de cobertores roubados de hospitais dormem os que não tem nome nem documentos. Aqueles são os que vendem seu lugar pelo próximo almoço. O troco do negócio ainda rende algumas canetas que eles voltam pra vender. Pelas canetas vendidas vale o jantar. Enquanto os tecnocratas da gravata dormem, o cidadão sente a dor de esperar por um pedaço de papel. Para cada árvore de burocracia desfaz-se uma flor de esperança.