Conversa de boteco

Eram sete horas de uma sexta-feira à noite, aquele calor gostoso sugeria aquele tradicional chopp, sem colarinho, gelado e acompanhado com uns bons petiscos e, claro uma boa prosa. Na mesa do boteco a conversa fluía naturalmente, ainda mais depois de uns dois chopps. Família, futebol, política, trabalho, violência, mulheres, coisas do cotidiano.

Foi quando na terceira rodada ou quarta - sei lá -, o meu amigo ficou pensativo - o álcool nos ajuda a “filosofar” - por alguns segundos e de supetão perguntou:

- Você me acha “velho”?

O que dizer naquele momento? Tinha me pegado de surpresa, pensei no que responder mesmo com uns chopps na cabeça, fica difícil o que falar - além do que, ele era mais novo do que eu -, mas respondi, com outra pergunta:

- Por que está me perguntando isso?

- Não sei, a maioria dos meus colegas são mais velhos e quando saio com as garotas mais novas, elas acabam me chamando de careta...

Entre nós??? É verdade! Quase não o via com pessoas da sua idade e nem namorando as menininhas, - quando entrou para trabalhar na empresa, o seu modo de agir e até de vestir chamou a atenção – contudo não seria eu, o seu amigo, que diria isso a ele, sempre o considerei como um jovem já maduro, com objetivos pré-definidos e com um futuro certo, o seu desempenho na empresa impressionava a todos.

Encucava-me o porquê do seu questionamento, agora estava curioso, queria saber desde quando ele pensava nisso, pedi mais uma rodada de chopp e resolvi alongar a conversa:

- Ora, você precisa ser você mesmo, não queira mudar o seu modo, apenas para agradar terceiros.

Ele então começou a descrever-se, justificando cada detalhe, eu como um bom ouvinte, não fiz nenhuma questão de interromper, apenas concordava, balançando a cabeça, - juro que não fiquei entediado - bebericando o meu chopp, e mastigando os petiscos, às vezes, lhe mostrava o copo com os olhos como disse-se: beba se não vai esquentar!!.

Só que durante o bate-papo algo iniciou a me perturbar, noventa por cento ou mais das suas características identificavam-se comigo, esqueci dele por um momento, e de uma hora pra outra, quem estava do lado de lá era eu, como se estivesse conversando comigo mesmo, então eu também era um “velho”???

A diferença de idade era mínima - três anos: ele 23 e eu com 26 - porém, já namorava há um tempo e nunca - pelo menos na minha frente - ela questionou o meu modo de viver, sempre me considerei como uma pessoa normal, mesmo quando novo a maneira de vestir-se, o meu comportamento, o modo de pensar, as músicas, o Rei Roberto Carlos, o samba, o sertanejo, MPB, sempre foi igual ao de agora, a minha família orgulhava-se disso, então qual o motivo de mudar?

Desde a escola não concordava com algumas estranhas formas que os adolescentes relacionavam-se com o mundo: não respeitavam a autoridade do professor em aula, não cumpriam o horário, o excesso de barulho produzido por eles, além dos ambientes já barulhentos que eles freqüentavam, o tal de “ficar” ou “fincar”, a maneira que tratavam os seus pais, o uso de bebidas e outras coisitas mais, mesmo contemporâneo a eles não acreditava no que via.

Ainda continuava a ouvi-lo. De repente percebi que ele parou de falar e olhando para mim, que continuava a viajar pelos meus pensamentos, perguntou:

- Está com algum problema?

Rapidamente voltei à mesa e respondi:

- Olha meu amigo vou revelar uma coisa, no começo a sua pergunta me deixou um pouco confuso e para não dizer qualquer coisa, esperei que argumentasse, para aí sim lhe falar algo.

- Continue! - Ele pediu -.

- A nossa diferença de idade não é tão grande assim, mas assim que você prolongou a conversa, em algum instante me vi em seu lugar e posso lhe garantir não me arrependo de nada, curtir a minha adolescência da melhor maneira possível, continuo curtindo a minha juventude do mesmo jeito e espero quando idoso estar fazendo as mesmas coisas que me deixam feliz e digo mais, sou feliz com o meu jeito de ser, queiram os outros ou não.

Para falar a verdade:

- EU ACHO QUE SOMOS NÓS QUE ESTAMOS NA ÉPOCA ERRADA, a dinâmica do mundo não permiti mais que nós, os famosos “caretas”, aqueles que ainda acreditam no amor, no respeito aos mais velhos, no compromisso, em Deus, na família em tudo aquilo que pensamos ser coerentes com uma sociedade melhor, vivam ao lado deles. Faça a sua parte, seja feliz, independente do que acham ou vão achar.

Levantei o braço pedi ao garçom a conta, pagamos e caminhando fomos embora, certo de que aquela conversa de boteco tinha sido a mais produtiva dentre todas as outras que rolavam por lá. E certos que nós não éramos “velhos”, apenas estávamos vivendo na “época errada”.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 16/05/2009
Reeditado em 25/10/2009
Código do texto: T1597723
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