Enfim sós, enfim nós...

"É só isso

Não tem mais jeito

Acabou, boa sorte

Não tenho o que dizer

São só palavras

E o que eu sinto

Não mudará..."

[Boa Sorte / Good Luck - Ben Harper e Vanessa da Mata]

“Casamento é uma instituição falida”, ouço e leio esta expressão há muito tempo, embora todo o dia ouça e leia também notícias de novos casais que se formam e mal os olhares se cruzam, muitos já estão querendo juntar as escovas de dente, numa busca desenfreada por felicidade, prazer e amor sem fim.

Este ano, mal iniciou maio, presenciei um desfile de casais para um casamento coletivo. Olhei e vi gente esperançosa, acreditando ser possível uma relação a dois. Ninguém parecia ir para a guilhotina, ninguém parecia estar sendo coagido a investir numa “instituição falida”.

Sorri para alguns que me olharam, desconfiados e meu sorriso era de "vão em frente, eu também acredito!" Tola romântica, pensaram alguns, e não os culpo. Para além de acreditar no ritual, na “instituição”, acredito nas pessoas, nas relações que constroem buscando a felicidade.

Também sei que não devia, mas já não me surpreendo quando contabilizo mais um casal que se separa, embora a sensação de tristeza deixe um gosto amargo na boca. Parece que tudo se banalizou, inclusive a infelicidade, o rosário de culpas e os equívocos cometidos de parte a parte.

No caso que agora relato, a notícia da separação caiu em mim como uma bomba: era um casamento de 40 anos. Minha amiga, mãe de duas filhas adultas, uma de 17 outra de 19, chorava e lamentava a situação da mãe que não aprendeu nada na vida a não ser ser esposa, que estava em depressão, envergonhada porque o marido resolvera sair de casa.

Procurei consolá-la, sem querer saber dos motivos alegados por seu pai, mas fiquei imaginando o quanto sua mãe estaria sofrendo e pensei que, com certeza, naquele contexto, ela preferiria a viuvez. Durou 40 anos e ela acabara de fazer 62. Quase toda uma vida vivida para tal relação, daí ser perfeitamente possível compreender suas dores. Daí entender a vergonha de ser “largada como um cachorro na pista”, como me falou outra pessoa que vivia um “luto” afetivo.

Elas se culpam: “onde foi que eu errei?”, “O que deixei de fazer, para dar errado?” Em nenhum momento refletem que, numa relação, os dois precisam no mínimo ter alguma afinidade, interesses em comum, para permanecerem juntos. E olha que nem falei em amor, em carinho, em tesão... E nem falei que relação de amor não tem bula, nem prazo de validade estipulado, nem garantia estendida.

Reconheço que vivemos num tempo de relações fortuitas e superficiais e cada vez menos percebo nos rapazes e moças com quem convivo e/ou observo a disposição necessária para serem casal. As relações longas são cada vez mais raras e a contradição é que “acasalam” mais cedo tem vida sexual praticamente iniciada ao primeiro olhar, porém qualquer probleminha é motivo para se dizer “Não quero mais”, “acabou”, “some”, “vaza”, para não falar dos termos quase impronunciáveis com que se agridem.

Se já moram juntos há um tempo e se tem filhos, parecem que estes estão no último nível de importância. "Ora, um dia eles terão suas vidas, seus amores e seus problemas e compreenderão o que estamos fazendo agora”, disse-me um, quando lhe perguntei como ficariam os filhos, naquele fogo cruzado da separação.

Não vou generalizar, mas parte dessa meninada (e alguns adultos que não cresceram) é extremamente ególatra. Poucos sabem lidar com situações de conflito. Frustração, tolerância e concessão são sentimentos um tanto distantes da realidade do hedonista, daí as relações se desmancharem na mesma velocidade com que começam.

Numa roda de conversa com alguns amigos e amigas, contei a história de um homem que perguntado como era estar casado há mais de 30 anos com a mesma mulher, ele respondeu “muito bom!” Como assim, muito bom? Perguntavam. Como pode ser muito bom por tanto tempo, como não enjoar um do outro?

Repeti a resposta desse homem para uma platéia de incrédulos: “Porque nos respeitamos, porque reconhecemos que somos seres diferentes, temos a nossa individualidade, não queremos ser o outro, temos amigos comuns, mas também temos amigos pessoais, temos espaços de convivência coletivos, mas não abrimos mão dos espaços individuais. Viajar sozinhos, vez ou outra, ter vida própria, de individuo”. E arrematou: “A simbiose é um conceito biológico. Porém nós, muito românticos, idealizamos uma relação assim, mas não percebemos que isso é um processo antropofágico. Um devora o outro com muita doçura. Um dos dois sucumbe, anula-se quase sem sentir. Isso não é amor.”

Olhavam-me silentes e conclui, lembrando o pensamento de um poeta: “Todo homem deve voltar pra casa pelo gosto do beijo, pelo calor do abraço, do aconchego da relação construída e não por obrigação, assim como a mulher deve permanecer pelo mesmo motivo.” Do que adianta estar casados martirizando um ao outro, dizendo não para tudo ou sim para tudo, sendo infelizes “para sempre”? Que dignidade há em torturar um ao outro, em exigir que o outro corresponda todas as expectativas, sempre?

Alguém do grupo contra-argumentou que isso seria um relacionamento ideal, difícil demais para comuns mortais, homens e mulheres criados culturalmente para terem a posse do outro, oficializada e abençoada em cada credo. Numa sociedade machista como a nossa o homem ocupa o topo da pirâmide e a ele tudo é “ permitido”, incentivado e/ou tolerado com muita condescendência.

Ainda bem que muitas mulheres já mudaram as regras desse jogo, disse esperançosa. Mudaram quanto? Não tenho a resposta, mas, afirmo o que li em algum lugar: ao invés de dizer “enfim sós”, seria bom que cada casal que resolva ficar junto dissessem, “enfim nós” e permanecessem assim enquanto desejassem.