LANDI & LEMOS. URBANISTAS-MORES DE BELÉM


Em teu chão uberoso, hospitaleiro,
se assenta majestático conjunto
do gênio landiano pioneiro;

Mangueiras antoninas, saltará
á vista, são o arbóreo adjunto
da heroica Belém do Grão-Pará

Belém do Grão-Pará. Soneto do Autor (fragmentos)


          Dois Antônios Josés, um de origem ilustre, outro de raízes humildes, ambos desta terra forâneos, mas que se tornaram, por opção, sentimentos e contingências, paraenses, mais até que os que mais o foram, que aqui constituíram família, casando-se com moças da terra, guardam, em comum, semelhanças e diferenças que lhes são marcantes e até paradigmáticas. Um, Landi, de Bolonha, na longínqua e européia Itália, aqui mourejou na segunda metade do século XVIII (1753-91); outro,      Lemos, da vizinha e nordestina terra dos timbiras, viveu entre nós na viragem do final do século XIX para o começo do XX (1867 a 1912).
          Ambos construíram palácios. O dos governadores, Palácio “Lauro Sodré”, hoje abrigando o Museu do Estado do Pará, obra magistral landiana, foi a maior construção civil do Brasil Colonial. Da lavra lemista, o “palácio da imprensa”, prédio majestoso que mandou edificar para sediar seu diário, A Província do Pará, então o de maior expressão, a mais grandiosa, guarnecida e equipada sede de jornal desta terra, localizada “na mais ampla e formosa praça da capital do Estado”; ainda nos dias correntes faustosa, adaptaram-na para acomodar a Escola Normal, depois IEP. O intendente mandou proceder, ademais, a uma enriquecedora obra de reforma e embelezamento no Paço Municipal (em seu honor, Palácio “Antônio Lemos”), o nosso Palacete Azul, que alberga o acervo do Museu de Arte de Belém (MABE).
          O mestre bolonhês fez, também, muitas igrejas, das mais belas, imponentes e importantes que aqui se têm, templos de devoção religiosa e gravitação turística, das quais proeminam a Sé Catedral, as de Santana, do Carmo e das Mercês e as capelas de São João, Pombo, da Ordem Terceira de São Francisco e de N.Sra. da Conceição (de que só subsistem ruínas, onde floresceu o engenho do Murucutu), todas elas jóias arquitetônicas de elevado quilate.
          O maranhense que cá se fez Intendente, por proficiente e diligente fez erguer muitas escolas, maioria delas ainda em plena utilização, de que sobressaem o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o GE Floriano Peixoto e o GE Sta. Luzia, no largo homônimo, agora Praça Camilo Salgado, que passou, a partir de 1922, a abrigar a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, ainda hoje sede do Curso de Medicina da UFPA. Criou o orfanato que leva seu nome, em Sta. Isabel do Pará, então pertencente ao município de Belém. Aquele magnificou a fé; estoutro ampliou foros à cerebração.
Landi deu nome a logradouros: a atual Padre Prudêncio, já foi “rua do Landi” e o outrora Largo de São João, por força de lei municipal passou a denominar-se Praça Antonio José Landi; ajudou a consolidar bairro: o da Campina, que ele enriqueceu com a ereção da Igreja do Rosário dos Homens Pretos. Lemos, que empresta seu nome a uma das principais artérias de Belém, a Avenida Senador Lemos, abriu ruas que compõem um bairro inteiro, o do Marco, e dotou nossa capital com duas de suas principais avenidas, que transmudaram a fisionomia citadina do início da centúria passada: as estradas “de Nazareth” e a “do Paul d’Água”, simples picadas, nem carroçáveis, viraram, como que num passe de mágica, as modernas, elegantes e de inusitada largueza, avenidas Nazaré e São Jerônimo (presentemente Av. Gov. José Malcher), por onde logo se puseram a correr os bondes elétricos, que ele também fez aqui chegar.
          O “Velho” Lemos construiu praças até hoje admiradas e soberbas: Batista Campos, da República, D. Pedro II, das Mercês (Visconde do Rio Branco). O Mestre Landi contribuiu para a projeção e instalação da Praça do Pelourinho, não mais existente, e da atualmente denominada Praça D. Frei Caetano Brandão, o tradicional Largo da Sé, a que deu a inicial configuração e que Lemos mais tarde urbanizou. Landi erigiu quartéis e hospitais – tais foram o conjunto da “caserna” (ora inexistente) para abrigar as tropas militares e o Real Hospital Militar (agora Casa das Onze Janelas), do mesmo modo que Lemos nos deu o quartel do Corpo de Bombeiros e o Asilo de Mendicidade (com Posto Médico contíguo), para acolher a velhice desamparada e enfermiça, ademais do Serviço de Verificação de Óbitos, na doca do Ver-o-Peso, que a incúria administrativa fez desativar.
          Lemos dotou nossa urbe de um bosque, o “Rodrigues Alves”, à feição do parisiense “Bois de Bologne”. Landi manteve, enquanto viveu, extensas plantações de árvores lenhíferas e frutíferas da Amazônia, dentre as quais ele fez introduzir, pioneiramente, mudas de mangueiras que mandou buscar na Bahia, ensejando a que, 150 anos mais tarde, Lemos as utilizasse para a arborização e refrigério das inclemências de nosso clima equatoriano, característica de nossa capital, aformoseando-a com os “túneis verdes” que elas projetam.
          Ambos, Landi e Lemos, aqui chegaram solteiros e desapercebidos de haveres, fizeram-se ricos, famosos e cortejados, porém, conquanto o boloniense nessas condições tenha vivido até o último de seus dias, o intendente maranhense daqui saiu escorraçado e jurado de morte, findando sua frutuosa e tribulada existência longe da terra que ele tanto amou, alindou e transformou na “Petit Paris”, a terceira capital mais avançada do País, vítima da “política do ódio e da infâmia”, então reinante, e da ingratidão do povo que ele enobreceu e elevou.

Nota: A foto no alto da página é do Complexo do Ver-o-Peso (Mercado e anexos), uma das "Sete Maravilhas do Brasil" escolhidas em sufrágio eletrônico em 2008, sem ponta de dúvida a obra maior legada por Antônio Lemos à cidade de Belém. Em sua gestão foram feitas as obras da amurada da doca das canoas e montado o "Mercado de Ferro" trazido da Europa.

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Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES/IHGP
serpan@anazon.com.br  -  sergio.serpan@gmail.com  -  www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 18/05/2009
Reeditado em 22/07/2011
Código do texto: T1601010
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