Porta-retratos

A importância a respeito do constante refletir sobre o passado, com o fito de se extrair crescimento de forma maciça, foi discutida em texto anterior. Esta feitura, por sua vez, colima tratar de uma das peças mediante a qual é possível nos manter em comunicação com as nossas páginas pretéritas logrando maior efetividade: os amigos.

Para viver bem, como também já se antecipou em escritos outros, a sabedoria é requerida, sob pena de, em se existindo desvairadamente, tão-somente distanciarmo-nos da elevação quanto mais existimos e, com isso, nenhuma contribuição de grande relevo deixarmos a um número mais significativo de indivíduos, restringindo-nos, e às vezes, apenas aos que nos circundam. A sabedoria, por fim, representa a noção de administração útil de tudo o que nos envolve.

A união possibilita mais crescimento, por óbvio, visto que os aprendizados constantes de cada jornada individual se somam e, na permuta, são encarados sob as mais diversas perspectivas evolutivas. Formula-se nesse processo, com efeito, um salutar intercâmbio. Esta é uma forma racional de enxergar a união, seja de amizade ou de quaisquer outras espécies.

Quando, contudo, aludimos a nos atrelar a pessoas com as quais nos afinamos por razões pessoais, tem-se uma magnífica oportunidade de aliar a racionalidade à emotividade e, assim, por sermos seres humanos, irmos mais longe no nosso desenvolvimento individual. É mais do que um necessário vínculo de profissionalismo ou do que aquele imposto pela consangüinidade, a qual, isoladamente, muitas vezes, nada significa.

Os amigos nos ajudam, como dito, a cumprir tal função. O sentimento de afeição por eles existente ganha volume com o protrair do tempo e, conquanto não seja somente em virtude dos bons momentos compartilhados, especialmente, é-o. Embora se deva viver um constante mergulho ao passado como um todo, extraindo prosperidade, incessantemente, de todas as sortes de experiências, é das positivas que as pessoas mais saudáveis lembram-se mais, inclusive pela ânsia de revivê-las.

Com o peso das nossas páginas, fica interessante reviver essas pessoas que nos brindaram com a construção de momentos de êxitos. A força com que esses momentos na nossa mente se instauram, na forma de recordações, é tamanha ao ponto de não permitir que os blocos de anos sejam capazes de ofuscá-las, mas, ao revés, de abrilhantá-las, tornando-as mais especiais do que quando foram propriamente vivenciadas. É algo que não deveria fazer sentido, mas só o faz. O sentimento de nostalgia, naturalmente, suscita um maior apreço e o vulgo, costumeiramente, explica-o.

Os amigos nos mostram a nós mesmos; funcionam como espelhos que permitem que nos enxerguemos, mais intensamente, sob as lentes de outros tempos, explorando quem fomos e, assim, mostrando-nos o porquê de sermos. São as mais sensíveis ferramentas para que se possa compreender a si, em todos os períodos de existência.

Pertinente, neste contexto de idéias, falar em fotografias, que não são deslumbrantes, como hoje em dia muito se concebe, simplesmente porque retratam belas cores e rostos artificialmente fabricados, belos trajes e locais encantadores, mas justamente por aquilo que, sem sensibilidade, não se pode enxergar: a vida como se manifestou e se manifesta; neste caso, por aquilo que cada uma daquelas situações deixou em nós, a germinar, e no que acabou por resultar. O significado maior de cada retrato, invisível que é, apalpa-se pelo sentir.

Os amigos funcionam como os porta-retratos que, quanto mais antigos, mais significado têm, por estarem, conosco, guardando memórias que, apaixonadamente construídas, dirão sempre muito do que fomos, somos e seremos, ao mesmo tempo em que nos encherá de saudades de um tempo que jamais tornará, mas ao qual estaremos eternamente gratos.