Meu corpo

Meu cabelo serve para crescer e cortar. Meus olhos para abrir e fechar, a luz e a alma. Minha boca, trás o fel e o doce, da mesma forma os retorna ao mundo. Meus ouvidos, estes traidores, ouvem tudo o que não me convém, muito raramente me trazem as noticias que tanto anseio e espero. Já meu pescoço, me da opções limitadas de perceber ao meu lado quem acompanhar e me incentiva ao futuro, não me deixando olhar de imediato ao passado que fica logo ali atrás. Ombros que tenho, ajudam a expressão “ não estou nem ai “ tomar corpo. Meus braços que sustentam o abraço quando valido, em suas pontas minhas mãos, da dor ao carinho, da arte ao ócio, traz seus impares dedos que se tornam pares quando juntos a outros visinhos. Tenho as costas, não tocadas propositalmente por nosso corpo, tornando toda massagem mais prazerosa quando possível. A frente, meu abdômen, sustenta minha alimentação, aceita o que vem, de bom ao mau gosto, se mulher, também carrega o que vem, de boa escolha ou não, na hora certa, ou não, como for, ali se faz a vida. Tenho então minha virilha que abriga meu sexo bruto, frágil, entediado, satisfeito, voraz, onde pode se perceber o prazer, por ato ou intenção, ou verdadeiro querer, logo tenho minhas pernas, pilares da carcaça, sustentáveis por si mesmas, frágeis engrenagens são estes joelhos, projetados para falir com precisão ao tempo, me levam sem bilhete ou custo ao mundo aberto aos passos, e por quase fim, relato meus pés, verdadeiros escravos do peso da consciência e da carne, não sabem, mas nos guiam, não vêem, mas nos sustentam, e assim levam os calos e sacrifícios, abaixo de tudo, e sustentando tudo. Dentro do conjunto, temos toda uma bagulheira, rins, fígado, pâncreas, intestino que leva ao reto, pondo para fora em forma de bosta as belas gostosuras que ingerimos, como palavras belas escutadas em vão, saem como ofensas por fim. Mas em tudo isso existem ainda duas coisas as quais mais admiro, o coração, que este sim, bate a todo custo, toda uma vida, sente, ama, decepciona, vive, batendo, porque, cheguei a uma conclusão, nosso coração bate, para um dia, um belo dia, descobrirmos nós mesmos, que sim, ele esta ali! Inegavelmente passamos toda a vida o ignorando. E por fim, invisível e serena, inexistentes ou presente, algumas vezes comprometida ao inferno, outras aos céus, depende do dono, mas que enche todo ser de plenitude e graça, bastando perceber ser seu possuidor, falo da alma. Neste conjunto, chamado corpo, espero minha lenta decomposição, afinal, não vem na bula, mas nascemos para nos decompor, e sábios de mais, passamos a vida construindo valores e certezas inúteis, sem perceber que o ideal de tudo, é aprender para decompor todos os conceitos a terra, deixando toda complexidade a sorte de sua própria decomposição, saboreando assim, o sol da vida, sim, em minha opinião, foi para isso que foi feito o corpo, aprender, decompor, e entre estas duas coisas, descobrir então, o bom do amor. Tudo bem, pode não ter tanta coerência este final, mas para mim, é o que serve.