ARACAJU (uma homenagem aos meus leitores e comentadores que se interessaram pela cidade onde nasci)

Aqui está solta a emoção. Somos todos tremendamente suspeitos quando falamos de nossa terra. Seja Fernando Pessoa ou a professora Tânia. O que passa segurança é o fato comprovado de apaixonados visitantes que não querem mais outro mundo a não ser o desta pequena capital.

Dividirei este texto em duas partes. A primeira sobre Aracaju ali pelos anos 60; a segunda sobre Aracaju atual. Façamos algumas contas, é o jeito. Em julho de 1960 completei 12 anos de idade. A minha cidade era também uma menina. Em tudo. Brincava de ser sabida, de querer namorar os maiores estados do país. Entretanto, os grandes estados e também os pequenos esnobavam a menina tabaroa de linguagem descuidada, arrastada, cabelos volumosos numa cabeça de coqueiral.

Aracaju ficou mocinha, estudou no Atheneu, paquerou nas retretas, divertiu-se nos brinquedos do Parque Teófilo Dantas (armados nas festas natalinas), desfilou na passarela lançada frente aos olhos da estátua de Olímpio Campos. No retorno, entrou na Catedral Metropolitana e se casou pomposamente. Casou, mas pensava agora na Argentina charmosa e boêmia. Depois sonhava com a Tour Eifell. E era uma boca só, uma solitária frase: Aracaju existe e é uma cidade?

A jovem senhora chorava desilusões em seus parques e praças, borboletas em festival de cores e a linda praia de Atalaia. Os mangues prenhes de caranguejos, as panelas fartas como as barrigas das mulheres e a fome dos homens.

Havia os cinemas e filmes inesquecíveis enchendo de fantasias todas as cabeças. A Universidade se engalanava, Aracaju brilhou em seus anéis. Os passarinhos cantando nas árvores frondosas, as procissões orgulhosas, a Semana Santa enlutada.

Havia os cabarés e os boêmios fazendo das ruas um palco para suas canções e violões, bêbados barulhentos e carnavais inocentes. A vida era sempre domingo em Aracaju onde todos se conheciam e se gostavam. Uma eterna manhã de domingo, vez por outra quebrada pela morte de alguém “alguém”. Era o ano inteiro falando nesse enterro, o defunto sofria nas bocas saudosas enquanto queria voar para o céu que já lhe era destinado ao nascer _ ingresso garantido. “Zé Ninguém” tinha de pagar pecados no purgatório. Outros iam direto para o inferno porque pulavam muros para roubar galinha. E lá era o lugar certo para os que não faziam o catecismo e nem frequentavam missas domingueiras. Quem xingasse a mãe já sabia, virava lobisomem e saía do túmulo uivando em noite de lua cheia. Moça que olhasse uma só vez para homem casado, estava com seu fim decretado. Homem que usasse camisa cor de rosa, já sabia, era um efeminado. Criança que não dormisse às 21 horas, bem rezada e abençoada, era moleque ou moleca de rua. Tudo na risca, no traçado, como diziam os mais velhos. E mais velho era respeitado, creditado, sagrado.

Em Aracaju se dormia de porta aberta, se achava a bolsa que deixasse numa loja. E, por falar em loja, quando alguém ia comprar, vinha logo o proprietário com a cadeira para o freguês se sentar. Toda senhora era Madame, e toda moça era Senhorita. Os homens eram respeitáveis senhores e os rapazes eram jovens educados e promissores. Professor era jóia rara, mais importante que juiz e desembargador. Coisa muito certa.

Aracaju crescendo, saindo os peitinhos e os baianos querendo um pouquinho. Aracaju, quintal. E como temos e gostamos dos quintais, das frutas ensopadas de prazer, dos pombos de todas as cores, das galinhas cacarejando em ovos fresquinhos e cheios de vitamina solar. De pintinhos piando e gatos miando nos telhados, de patos nadando em tanques.

Aracaju ficou moça, ficou ousadinha. As estradas se abrindo, os visitantes chegando, as coisas mudando, às vezes até exagerando. Aracaju ficou falada, conhecida, festejada, arrojada nos busca-pés e sacudida nos forrós. Aracaju perdida na noite, dançando e bebendo nas boates, cheia de carros e turistas. Todos comendo caranguejo, todos no sacolejo. Tudo asfaltado, o povo ficando avançado.

Aracaju é mulher bela e traiçoeira, escolada, vivida.

Os primeiros cabelos brancos estão brilhando na fronte de Aracaju, ingressando na modernidade, integrando-se às novas tecnologias. Ainda é uma senhora bonita, mas não gosta mais de laços de fita. Está falante, sofisticada, internacional, turística, quase não reconhece os velhos amigos, extasiada que está com os novos relacionamentos.

Aracaju, teu retrato mais belo se dilui na vista cansada de teus filhos mais velhos.