Amor, desprezo e caco de guaraná

- Não, Renata. Eu não te quero mais! – disse ele sem titubear.

- Mas você não quer nem refletir sobre tudo o que já vivemos? – indagou com os olhos repletos de lágrimas e com o coração quase transbordando em desespero – Nem mesmo as coisas boas que passamos juntos contam?

Cesar olhou no fundo dos olhos de Renata, respirou profundamente como quem busca controlar uma gargalhada e sorriu meio de lado, como se debochasse dos sentimentos dela. Era o ar mais sarcástico que ela já havia presenciado do amado. Era outro homem. Amargo, frustrado com o seu próprio fracasso e que encontrara na ex-companheira a explicação para toda a sua infelicidade.

- Coisas boas? Há dois anos só passamos por maus momentos. E eu sempre relevando, relevando, relevando. Pensei que você fosse mudar. Você não muda! É o pessimismo em pessoa… Deprimente… Pensa que sou sua muleta? – disse acreditando que ela se calaria, levantaria e iria embora com o pouco de dignidade que lhe restava, mas ela permanecia firme e forte sentada naquela cadeira de bar.

- Sim, coisas boas… Lembra de quando te ajudei a procurar um emprego? Das tardes que dormimos abraçadinhos vendo filmes antigos, comentando a atuação dos atores? Das noites de sexo em que me fez gozar várias vezes? Das tardes em que passeávamos e fazíamos planos para o futuro?

Cesar permaneceu calado por alguns minutos. Não queria mais vê-la. A vontade de viver sozinho, sem a presença dela, era tão grande que um ódio súbito pela moça o dominou. Precisava usar toda aquela repulsa para expulsá-la de sua vida, para fazê-la entender que seu amor e lealdade eram dispensáveis. Ele precisava caminhar sozinho. Ela, com toda a sua doçura e devoção, não significava mais nada além de um triste retrocesso. Então, para não deixar dúvidas, ergueu as mãos e, contando em voz baixa, mostrou a palma da mão aberta. Depois, indagou:

- Está vendo? Cinco dedos. Para cada vez que tenho uma lembrança boa ao seu lado, cinco são apenas frustrações. Não sinto mais nada por você. Sua presença me incomoda. Dá pra entender?

E ela pôs-se a chorar. Um choro quase infantil de tão puro e doído, que levava sua alma embora, vagarosamente, em forma de lágrimas:

- Deixa-me voltar! Vamos recomeçar…

- Ninguém recomeça pela décima quinta vez, Renata.

- Nós podemos. E eu te quero!

- Mas não devemos. E eu não quero. Já basta! Está tudo tão claro para mim, como não compreende? – gritou, batendo as mãos sobre a mesa.

Todos do bar olharam e sentiram uma pena incondicional daquela menina que tentava respirar as últimas moléculas de oxigênio daquele mar de amor e desprezo.

- Não sente mais nada por mim? – indagou enquanto enxugava as lágrimas.

- Nada. Aliás, um incômodo. Eu preciso viver em paz!

Renata também queria viver em paz. Ele era a sua paz e a ausência dele o seu desespero. Percebia que Cesar estava irredutível e que realmente não se recordava de nenhuma passagem boa em suas vidas. Nada poderia convencê-lo a aceitá-la novamente.

Em sua mente, não lhe viera nenhuma passagem de briga recente que justificasse aquela atitude. Teria ele cansado dela? Enjoado do seu sexo? Se incomodado com seu excesso de peso ou suas lingeries furadas? Arrumado outra?

Não importa. Ela sabia, tristemente, que estava tudo acabado. E a certeza de não poder mais dormir em seus braços, protegida por seu amor e acalantada em seu calor, sentindo o seu cheiro, dilacerava seu peito. Só conseguia pensar que se soubesse que jamais o abraçaria, teria aproveitado aquele último instante juntos, há meses atrás.

Então, levantou-se. Deu a volta na mesa. Parou de frente para Cesar. Pegou o guaraná e, com toda a força e uma fúria surpreendente e tão bem comportada, quebrou a garrafa na mesa. Cesar não se moveu. O que ela fará agora? – pensou ele. Sua mente não conseguiu detê-la.

Renata jogou a garrafa no chão. Em sua mão, um único caco de vidro. Cesar foi em sua direção. Sabia que ela seria capaz de retalhá-lo, marcá-lo para sempre. Antes que conseguisse erguer os braços numa tentativa desesperada de se defender, Renata cortou profundamente o seu próprio pulso. E dele esvaia toda a sua vida. Ela olhou fixamente para o sangue e depois para Cesar. Sorriu. Fechou os ohos e caiu em seus braços, acalantada e protegida, daquela forma que tanto gostava.