Sobre programa, fotos e morte de personagens



 
Dificilmente alguém escutará de minha boca ou lerá de meus textos a afirmação de que sou um escritor. Primeiro porque de fato não sou, e segundo porque se o fosse jamais diria. Penso que o escritor se reconhece, não se impõe. Assim também é com o pintor, com o palhaço, com o escultor. Ao escrever, como ao criar em geral, decodificamos sentimentos e impomos à obra nossas impressões.
 
Impressões que podem ser rígidas e cartesianas ou absolutamente descompromissadas com fórmulas matemáticas. É facultada a qualquer um que pegue uma caneta ou que digite em velhos computadores a oportunidade de liberar o que está reprimido. O formidável dessa certeza é que a criação desatrela limites, desata impossibilidades e flui empiricamente a cada tentativa de comunicar o autor com sua sensibilidade.
 
No final, contudo, descortina-se invariavelmente uma equação: tão melhor é o texto, a obra, o resultado, quanto foi a capacidade do autor em se comunicar com suas impressões. Ouso dizer que certamente é por isso que às vezes ficamos boquiabertos quando lemos duas ou três linhas incríveis ou quando hipnotizamo-nos diante de uma tela que exala simplicidade. Também é por isso que bocejamos ou maldizemos algo que, sabe-se lá por que motivo, aparece em nossa frente e acaba por ser lido ou ‘apreciado’.  
 
Tudo depende do grau de fidelidade obtido pelo canal humano que condensa, decodifica e disponibiliza impressões. É realmente como penso.
 
Todo o intróito serve de pano de fundo para dizer aos quarenta e poucos leitores que vez ou outra aparecem por este site o seguinte: tenho fracassado fragorosamente na parte que me cabe.
 
Costumo receber alguns elogios via comentários, mas sei lá eu porque razão, as críticas ocorrem por e-mail. Sei que vocês não têm nada a ver com isso, mas estou a decodificar e disponibilizar o que sinto, olhando uma ráfia carente de água à minha frente e pensando sobre a mensagem que recebi em meu correio virtual. 
 
Assunto: Programa / Mensagem: Quero ver suas fotos / Remetente: Ivan
 
‘Quero ver suas fotos’ é algo desestimulante. Não sou escritor, já disse, mas ainda assim, ao tornar público um texto, qualquer que seja ele, eu, ou qualquer outro ‘não escritor’, queremos ser julgados, analisados. Queremos – sim – que todos gostem do que leram e que falem pros amigos e amigos dos amigos. Também é por isso que escrevemos.
 
O que tem as fotos com isso, Ivan? Nada, não tem nada. Não gosto das coisas que o Paulo Coelho escreve, mas acho que gosto ainda menos quando associo seus textos àquela barbicha desenhada milimetricamente sob a boca. Fotos. Fotos?
 
Mas ainda mais estranho do que as fotos foi o assunto. Programa. Programa. Programa! Programa?
 
Será que de ‘não escritor’ estou virando um ‘não personagem’? Do tipo que aceita um programa baseado no prévio envio de fotos para o desconhecido da internet? É esse o pior final possível.
 
Realmente estou fracassando fragorosamente. Meus textos são todos “branco no preto”. Uma pena.
 
E ainda teve mais: Capá, um grande amigo, esteve comigo num casamento na madrugada de sábado. Portava nas duas mãos – isso mesmo – dois copos de Black Label.
 
- Gusta, disse ele, você precisa publicar um livro.
- Qual é, Capá? Legal o casamento, né? Era absolutamente imperioso mudar de assunto.
- Qual é Capá é o caralho, porra! Tu tem que escrever a porra do livro, caralho. Ameaçou-me com o copo que carregava na mão esquerda.
- Você é amigo, Capá. Elogio seu não vale de merda nenhuma. E de mais a mais tem muita gente melhor que eu pra fazer isso. Mas me diz uma coisa, você tem lido algo novo lá no site? O bom e velho narcisismo aflorava.
- Gosto quando você mata os personagens. Puf! Puf! Puf!
- Ah.
- Puf! Puf! Puf! E saiu atirando, imaginativo, em direção à pista de dança com os dois copos de uísque nas mãos.
 
Meu próximo texto, se ele vier, será sobre uma chacina.
 
Puf!