Bendita sejas, gratidão

Todo Natal a coisa se repetia, mesmo nos tempos em que e-mails de português truncado: no meio dos cartões, um especial. A mensagem variava pouco, mas sempre havia um “muito obrigado”. Há anos nossa única forma de comunicação era essa, até receber um telefonema e convite para almoço. Trouxe amigos e pessoas que trabalhavam com ele e, na frente deles, mais uma vez, um “muito obrigado”, complementado por comentário que chegou a ser constrangedor, considerando o quilate das pessoas que lá estavam: “Foi graças a você que sou o que sou”. Como o “sou o que sou” era e é uma função importantíssima, conquistada com determinação e capacidade, vale a pena saber mais sobre a história.

Éramos amigos, ele vinha de uma superação e estava desempregado. Eu precisava de alguém com seu perfil na empresa onde trabalhava. Convidei-o para a função e houve quem me chamasse de louco. Eu sabia que daria certo, e deu. Quando mais tarde, saí da empresa, ficou no meu lugar. Voltou a estudar, formou-se, especializou-se e chegou onde chegou exclusivamente por seus próprios méritos. O que fiz, então, para que houvesse toda essa gratidão? Nada de especial, apenas confiei nele num momento em que outros não o fizeram, e ele correspondeu.

Lembrei-me do episódio ao ler uma afirmação de Gisele Bünchen, onde dizia que estava sempre bem por ser muito grata. Bem, ela tem o que agradecer, não é? Mas todos o temos, sempre. Então por que agradecemos tão pouco e reclamamos tanto? Assim como relatei a desproporcional gratidão de alguém por quem não fiz nada de especial, tenho histórias em que meu empenho foi imenso, às vezes maior do que deveria, mas a gratidão sequer chegou a zero.

Talvez devesse me conformar com bordões do tipo “As pessoas são assim mesmo” ou bobagens similares, talvez, mas a falta de reconhecimento, e daí, de gratidão, me deixa meio possesso, afinal, não custa nada e faz tanto bem.

Na rua, custa agradecer a quem dá vaga? E custa fazer a bendita gentileza? Em casa, perde-se um dedo ao se dizer “muito obrigado(a)” pelas pequenas tarefas e, às vezes, grandes renúncias? Já ouviu de alguém que foi demitido por demonstrar sua gratidão? No relacionamento, dá sarna se há cumplicidade e agradecimento?

São muitos nossos pecados, mas o maior de todos é a ingratidão, raiz de todos os outros.