Sobre as tentações autoritárias e tentativas de controle da produção cultural

Sobre as tentações autoritárias e tentativas de controle da produção cultural (em resposta a um e-mail de um amigo)...

(Cultura, Walt Disney, Disneilândia, diversão, liberdade de expressão e escolha, censura oficial, censura de grupos, autoritarismo, Goiânia, GYN)

"Meu Caro C.;

Considero que Disney foi um homem brilhante e, muito competente, capaz de trazer para o nosso tempo, o mundo de fábulas do passado e, criar um mundo fantástico e, variado, a partir do exemplo precedente. Ele, que foi um profissional competente e, um empresário vencedor, já foi bastante achincalhado em todo tipo de análises - umas, até interessantes. Mas, não se fala a sério na história do cinema, sem que seu nome tenha de ser citado muitas e muitas vezes.

Sobre as interpretações limitadas ou amalucadas de sua magnífica obra, há uma famosa, inclusive, que analisa, justamente, o suposto potencial ofensivo às crianças, em razão da supressão da identidade sexual e de qualquer indício das relações sexuais entre indivíduos daquele mundo - em especial, Patópolis, onde ninguém tem pai, nem mãe - é tudo sobrinho e, tia. Mas, a figura que escreveu o livro, esqueceu de forma muito oportuna, do contexto cultural da América, de origem calvinista.

Há, também, uma interpretação do obra de Disney sob o cunho marxista, escrita por um latino-americano, que afirma que sua obra não é menos que a própria expressão do imperialismo americano sobre o mundo. O autor se esqueceu, providencialmente, de pesquisar a origem de seu criador, que era, em verdade, um imigrante espanhol e – não exatamente um descendente de americano branco (de olhos azuis, não posso esquecer, que essa citação tá na moda, agora...), anglo-saxão e, protestante e que, a sua obra fala, em geral, de coisas e valores humanos positivos e atemporais!

Mas, a análise que me enviou, embora o seu autor não tenha tinha coragem de se identificar, é oriunda de gente ligada a movimento religioso, naturalmente - daquele mesmo tipo de gente que ouve mensagem satânica em música da Xuxa, quando tocada para trás.

Veja bem, meu caro. Tem gente que cisca, cisca e, não se consegue nada tocando a musiquinha de um artista popular, de onde tirar algum subsídio para denegrir a sua imagem e, de forma muito oportunista e covarde, disseminar a sua visão confusa do mundo. Aí, inventa de tocar a música para trás, para achar supostas mensagens enviadas do mundo das trevas - dia desses, recebi uma risível mensagem falando do sub texto satânico da música "Poeira' da Ivete Sangallo...

Nesse mesmo toque, outros vão examinando imagens e, trechos isolados de filmes, para tirar dali o substrato para a expressão de suas mentes contaminadas pelo radicalismo e, idéias obscuras.

Se fosse pra se levar a termo esse tipo de interpretação, até os contos de la Fontaine e irmãos Grimm iam para o saco - aliás, tem livro no mercado afirmando que os contos de la Fantaine, são na verdade, mensagens cifradas de cunho maçônico, contados em forma de fábula. Me arrisco a dizer que isso é batatolina. A mensagem implícita é típica da fábula, no que coincide com a simbologia de muitos grupos exotéricos. Mas, daí, afirmar que aqueles textos são de cunho maçônico, é muito exagero...

O que está por trás disto? O que querem dizer, na verdade? Que os cidadãos comuns, as famílias normais, não podem ter acesso a certo tipo de informação, por conta de seu caráter perigoso e, que, tais informações devem ser, no mínimo, filtradas, senão, censuradas, suprimidas do acesso, pura e, simplesmente. Que tudo quanto temos acesso está contaminado e, deve ser condenado, supostamente, em nome de um bem maior. E, tal tarefa deve ser reservada, naturalmente, por alguém de suporte moral para tanto - eles mesmos!

Onde está o problema? É que este pensamento coincide com o pensamento dos nazistas, dos comunistas e, radicais islâmicos, por exemplo...

Quando se diz que a produção cultural à nossa disposição, merece atenção, posso até concordar com o alerta - pois parte dela é, mesmo assustadora e, até mesmo, lixo embalado. Mas, não posso me esquecer de tudo o que é produzido em termos culturais reflete um momento histórico, uma situação social, o que quer dizer que reflete a mim, também. Se existe esse mal-estar e essa inquietação no mundo da cultura, é porque reflete nosso tempo, nossa sociedade abalada, nossos valores em crise, nossa história reavaliada.

O melhor que podemos fazer é escolher o que consumir ou acessar, em termos de cultura. E aí, entra a crítica, o senso crítico e, até, o senso comum. É claro que é válida, nesse caso, a crítica de terceiros. Mas, daí, a achar que o mundo de Disney é algo de natureza demoníaca, vai uma distância muito longa. Na minha opinião, muito pelo contrário. Nos seus filmes clássicos, sobressaem sempre os valores positivos (os finais felizes, ali, são deliberados, nesses sentido) e, o bom humor sobressaem.

A produção dos Estúdios Disney atual - que aliás, foi ignorada por quem lhe enviou o post - o que autoriza a suposição de que seja alguém lá da casa dos cinqüenta anos - e, esta, poderia receber muito mais reparos. Mas, como disse, ela reflete um momento, uma forma de apreensão do mundo.

As tentações autoritárias, porém, são outro assunto. Sempre que alguém dá ouvidos a essa tentação (o mundo islâmico atual está aí, para dar exemplo - a maioria não é radical, muito pelo contrário, mas são os radicais que vão assumindo posições, impondo a sua visão apocalíptica, misturando isso tudo com a política de interesse mais terreno, possível...), a sociedade mergulha em períodos terríveis de controle político, censura cultural, perseguição, prisões e, não raro, mortes.

Em Recife, sua cidade, recentemente um grupo de evangélicos se reuniu para queimar em praça pública uma revista. Em minha cidade, essa gente se reuniu para protestar contra a exposição de imagens de orixás - oriundas de Salvador, que foram colocadas boiando sobre uma lagoa. Um mínimo de gente e, representatividade. Mas, fazem um barulhão danado e, encontram sempre alguém com pouca capacidade crítica para ouvir e, replicar suas opiniões equivocadas. Esse história de queimar livros sempre foi o prenúncio de dias ruins.

Em muitos órgãos da imprensa brasileira - e os órgãos de imprensa goianos não escapam da diretriz, a interpretação dos fatos tem uma única ótica e, ninguém pode se animar a escrever em postulados diferentes de uma visão "de esquerda" do mundo e, da realidade. Certos escritores, certos artistas, certos políticos não tem vez - e, se tiverem, recebem sempre um tratamento "à moda da casa". Essa maneira de maquiar e manipular a realidade, sempre foi o indício lamentável de desastres políticos.

Sou um liberal independente e, você sabe, desbocado. Em minha casa, não entra esse tipo autoritário, que a pretexto das benesses, vem me ofertar um mundo de controle e, censura. Assumo a responsabilidade quanto ao que entra e sai - tudo com base na minha religião e, nas minhas convicções políticas, em termos de informação e cultura, com o direito que me assegura a Constituição do meu país.

Nesse sentido, aliás, é interessante observar: o nosso mundo e nosso país tem muitos problemas, de natureza política, histórica e sociológica. E, tenho certeza que nenhum deles foram causados pelos produtos culturais do mundo Disney. Até, pelo contrário, nesse mundo de estresse e, idéias confusas, a produção do mundo cultural de mestre moderno da fábula servem para momentos de distração, diversão tranqüila e segura...

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Já faz algum tempo, mas me lembro de marchas e manifestação em favor da liberdade de pensamento e escolha, inclusive política, que era uma luta geral, de interesse de toda a sociedade, em face do Estado autoritário. Aos poucos, o que vejo são os grupos sociais se substituindo no papel execrável de censor, sem que ninguém tenha a coragem de se manifestar e colocar o dedo nessa ferida.

Não é o meu caso. Eu acuso e, me manifesto abertamente contra esse tipo de comportamento que baseia-se na idéia da ditadura virtuosa."