A palavra escrita

A PALAVRA ESCRITA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 03.06.2009)

Há quem assegure que um livro de literatura, um artigo de jornal ou mesmo uma despretensiosa crônica como esta têm o poder de mudar o mundo, de influenciar as pessoas. De promover revoluções. Duvido dessas maravilhosas virtudes do texto literário. Penso que existe um bocado de exagero nisso tudo.

Para mim, o que sucede é que as pessoas se assustam tremendamente com o texto impresso, com a palavra escrita.

Bem verdade que, por vezes, o texto impresso consegue fazer com que um governador de Estado volte atrás na sua decisão, já encaminhada à Assembléia, e suspenda a liquidação de um teatro e a desativação de uma biblioteca pública estadual com a remessa aos porões úmidos e sombrios da Burocracia de um acervo de 130 mil títulos, fora uma extraordinária coleção de jornais - para se ouvir muito por aí, dois anos depois, que os planos iniciais foram retomados e, agora, com "negociações" conduzidas em surdina para não atiçar a beligerância do "inimigo".

Também é fato que, vez ou outra, a palavra escrita pode arrancar de um prefeito a promessa pública e solene de restaurar a autonomia da fundação de cultura do município depois de ele ter sacado da Câmara dos Vereadores, em tempo recorde e quase por unanimidade, sua subordinação à pasta do turismo - para se constatar, quatro meses após, que o prometido pelo alcaide não foi cumprido.

Mas o que acontece mesmo é que as pessoas se impressionam demais com a palavra escrita, seja numa carta, num jornal, num livro. O dito "palavrão" é típico dessa atitude: todo mundo ouve, todo mundo fala, todo mundo vê seu uso no cinema e na televisão. Basta pô-lo no papel, entretanto, para que o mundo venha abaixo.

O mesmo ocorre com descrições do ato sexual entre humanos, por mais competente que seja a engenhosidade do escritor para narrá-lo de forma direta, forte, delicada ou sutil. Encharcados de sexo, todos nós ouvimos sexo, falamos de sexo, apreciamos sexo no cinema e na televisão, fazemos sexo. Basta, porém, um Cristovão Tezza colocar um pingo dessas coisas num romance como "Aventuras Provisórias" para que livro e autor sejam execrados sob o argumento pueril de que nossas "crianças" de 15 a 18 anos (em pleno Século 21) não podem ser expostas a uma obra, a um perigo desses porque...

A palavra escrita verdadeiramente assusta as pessoas. Muito mais do que as mil palavras de uma imagem, pobres de nós.

(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos", este em coautoria com o escritor Francisco José Pereira, teatro, Editora Garapuvu, Florianópolis)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 03/06/2009
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