Desvario
 
(Desde que em alguma outra parte é que vivemos e aqui é só uma nossa experiência de sonho. (João Guimarães Rosa – em Ave Palavra)
 
   Tinha acabado de ler La Llorona e estava à procura de outro livro para ler quando me deparei com O outro pé da Sereia de Mia Couto, presente de minha amiga Helena no Natal de 2008. Comecei a folheá-lo e foi aí então que encontrei as palavras acima, do Mestre Rosa. Fiquei pensando nelas e agora resolvi escrever o que pensei.
   Pensei que às vezes penso que não existo, que sou um sonho sonhado por alguém. É que os mistérios da vida me confundem muito e às vezes entro em desvario. Desvario mas não loucura porque um é diferente do outro embora em não possa explicar como. Acho que loucura é permanente enquanto desvario é só um desnorteamento do pensamento. Meu pensamento vez em quando realmente é desnorteante. Por exemplo: quando escrevo. Não quando escrevo simplesmente, palavras do dia a dia, mas quando sento diante de um computador sem saber o que escrever. Começo a digitar e aí me vem outro desvario: isso não sou eu que estou escrevendo, só meus dedos, tem outra mente controlando-os. Nem pensar que isso possa caracterizar uma forma de esquizofrenia, sou muito sã, sã até demais. Minha aspiração máxima era ser louca de pedra, mas desconheço alguém de pés mais fincados na terra do que eu. Só a cabeça anda nas nuvens, os pés não. Esse escrever sem controle, sem saber que palavra vai tomar conta de mim em seguida é como se fosse um orgasmo da alma. Ou do espírito, dependendo do que é escrito, porque a alma é mais sentimento e o espírito mais razão. Sim eles são diferentes, eu aprendi isso, aprendi de verdade porque agora não consigo mais ver um como o outro. São diferentes, a alma que me anima e o espírito que me ilumina.
   Não sei se li ou escrevi primeiro só sei que quanto mais enchia a cabeça mais os dedos queriam esvaziá-la das palavras. Não para que ela ficasse oca, mas palavras são assim, têm um jeito próprio de se multiplicar de estar em muitos lugares ao mesmo tempo e mesmo quando a gente escreve já sai diferente da forma com que saiu da cabeça e então é um entra e sai que mais parece a casa da Mãe Joana. Mas voltando ao assunto, eu escrevia poesia, escrevia contos e crônicas, mas nunca tinha me atrevido a escrever um romance até que um dia sentei frente ao computador e comecei uma história maluca, sem nenhum planejamento. E assim dia após dia eu escrevia, de capítulo em capítulo e quase não agüentava esperar o dia seguinte para saber o que estava acontecendo, pois eu não sabia o que os meus dedos iriam aprontar. E assim nasceu O Cachorro Amarelo, a história de amor entre Melina e Abud e quando a história acabou eu fiquei tão vazia que tive que continuá-la, mas aí o que apareceu foi a história de amor de Alberto por Melina que chamei de O Clube do Cravo Vermelho e então ela teimou em recomeçar agora pela voz de Abud contando a história de seus filhos gêmeos só que tem alguma coisa errada e ela empacou e meus dedos se recusam terminantemente a acabá-la e pelo jeito Os filhos de Abud vão continuar presos na ponta dos meus dedos. E agora, relendo o que está escrito, é que me dou conta que tinha pensado só o começo e que o resto pulou fora por conta própria.